O ‘tuiteiro em chefe’

Trump e o Twitter

NOVA YORK – Donald Trump já está governando por controle remoto, de seu escritório em Nova York, de onde escrevo. Na sexta-feira, quando congressistas republicanos começaram a discutir a inclusão no Orçamento de verbas para completar o muro na fronteira com o México, o republicano foi cobrado pela promessa de que o governo mexicano pagaria pela obra. O presidente eleito explicou que o muro será concluído com dinheiro público, mas que depois será recuperado, por meio dos ganhos que seu governo obterá com a renegociação do acordo de livre-comércio com o México: “Vai ser parte de tudo. Vamos fazer um acordo muito melhor”.

Os mexicanos já começaram a sentir o gosto amargo do remédio que Trump lhes preparou. Um tuíte do presidente eleito na manhã de terça-feira levou a Ford a cancelar o investimento de US$ 1,6 bilhão na construção de uma fábrica no México, e anunciar que em vez disso destinaria US$ 700 milhões a sua unidade de produção no Michigan, gerando mais 700 empregos.

O tuíte de Trump não era nem sequer destinado à Ford, mas a sua concorrente: “A General Motors está mandando o modelo mexicano do Chevy Cruze para concessionárias nos EUA sem impostos na fronteira. Faça nos EUA ou pague alto imposto na fronteira!” A GM se apressou a explicar que fabrica 190 mil unidades do modelo por ano para o mercado americano, das quais 185.500 nos EUA e apenas 4.500 no México.

Animado pelo bom resultado da sua microgestão e do seu intervencionismo econômico, Trump voltou suas baterias na quinta-feira contra a maior montadora do mundo (ou segunda maior, em disputa constante com a Volkswagen): “A Toyota disse que vai construir uma nova fábrica em Baja, México, para produzir carros Corolla para os EUA. De jeito nenhum! Construa fábrica nos EUA ou pague alto imposto na fronteira!” Enquanto as ações da montadora caíam 3%, o ministro das Finanças do Japão, Taro Aso, saiu em sua defesa: “A Toyota é responsável por muitos empregos em fábricas dos Estados Unidos. É questionável se o novo presidente dos Estados Unidos tem noção de quantos veículos a Toyota fabrica nos Estados Unidos”. A empresa diz ter investido US$ 21,9 bilhões no país, onde mantém 136 mil empregos.
Logo depois da eleição de novembro, a indústria de refrigeração Carrier, que Trump usara como símbolo durante a campanha por seu anúncio em fevereiro de que transferiria sua fábrica para o México, anunciou que manteria parte das operações em sua sede em Indianápolis. Depois se soube que o número de empregos mantidos nos Estados Unidos era menor do que o anunciado por Trump, mas o fato ficou registrado como a primeira vitória do presidente eleito em sua cruzada para recriar vagas na indústria americana.

Na terça-feira, Trump criticou a bancada republicana na Câmara por ter aprovado, a portas fechadas, na noite anterior, uma diminuição dos poderes de uma agência independente que investiga denúncias de corrupção contra deputados. “Com tudo o que o Congresso tem para se debruçar, eles realmente têm de fazer do enfraquecimento do Escritório Independente de Ética, por mais injusto que ele seja, seu ato número 1 e prioridade? Foquem em reforma tributária, saúde e tantas outras coisas de maior importância!”, pediu Trump. E terminou com a hashtag DTS, que usou na campanha, e significa “drenar o pântano”, numa referência à forma de fazer política em Washington. Na mesma tarde, em sessão de emergência, os republicanos derrubaram a medida.

No cenário externo, uma série de mudanças já está em andamento, em função das posições assumidas por Trump no Twitter. Contando com apoio praticamente incondicional do futuro presidente americano, Israel ignora as pressões internacionais — incluindo uma resolução do Conselho de Segurança da ONU aprovada no dia 23 graças à abstenção do governo Barack Obama — e impulsiona a colonização judaica em terras palestinas. Diante da posição de Trump em favor de uma parceria com Vladimir Putin no combate a grupos islâmicos na Síria, a Turquia se alinha com a Rússia, que apoia o regime de Bashar Assad.

Com um tuíte de exatos 140 caracteres – o máximo permitido –, Trump garantiu na segunda-feira que a Coreia do Norte não terá mísseis capazes de alcançar os EUA. Somada a seu gesto de conversar pelo telefone com a presidente de Taiwan, Tsai Ing-wen, em dezembro, e a suas ameaças de retaliações comerciais contra a China, a promessa concentra as tensões nas relações Washington-Pequim.

Se antes se falava do poder da caneta do presidente americano, agora se trata do poder de seu teclado. Resta esperar que ele não recorra ao botão nuclear. Sobre isso, também, há um tuíte de Trump, do dia 22, em seguida a uma declaração de Putin sobre a necessidade da Rússia de ampliar o potencial militar de suas forças nucleares estratégicas: “Os EUA devem se fortalecer muito e expandir sua capacidade nuclear até o tempo em que o mundo adquira consciência com relação às armas nucleares”.

Pode-se criticar Trump por tudo, menos por seu poder de síntese.

Posições assumidas por Trump no Twitter tornam-se ‘governo antecipado’.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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