População apóia ideais de justiça social defendidos pelo presidente, mas rejeita ditadura socialista
CARACAS
Os social-democratas e os democrata-cristãos podem ter se alternado durante décadas no poder na Venezuela, mas pelo menos havia isso: alternância. Depois de terem eleito Hugo Chávez três vezes (em 1998, em 2000 – sob a nova Constituição – e em 2006), muitos venezuelanos se espantaram com seu evidente apetite em se perpetuar no poder.
Se há algo de que Chávez não pode ser acusado é de dissimulação, e ele não fez muito para tranqüilizá-los. O presidente, que não saía da TV estatal nos dias anteriores ao referendo, punha-se a fazer contas de quanto tempo poderia ficar no cargo. “Estou com 53 anos”, disse ele diante de um ginásio repleto de embevecidas mulheres chavistas, em Caracas. “Em 2019, quero estar firme no cargo para as comemorações dos 200 anos de Angostura”, antecipou, numa alusão ao segundo congresso constituinte da Venezuela, encabeçado por seu ídolo, Simón Bolívar, líder da guerra de independência contra a Espanha. A atual Constituição limita o presidente a dois mandatos sucessivos de seis anos. A reforma ampliava cada mandato para sete anos e eliminava o limite às reeleições.
“A democracia nos custou muito”, disse a dona-de-casa María de Céspedes, de 70 anos, na última passeata contra a reforma, dia 29, em Caracas. “Tivemos um ditador durante dez anos”, recordou, referindo-se ao general Marcos Pérez Jiménez, que participou de uma junta militar de 1948 a 1952, e daí em diante foi presidente até 1958. “Lutei contra a ditadura na rua e apanhei da polícia. Essa reforma formaliza uma nova ditadura.”
O que muitos eleitores venezuelanos parecem estar dizendo é que apóiam os ideais de justiça social postulados por Chávez, mas não têm planos de viver numa ditadura socialista.
É aqui que o surgimento do general Raúl Isaías Baduel parece potencialmente devastador. Ex-ministro da Defesa, ele rompeu com Chávez em meados do ano por opor-se à reforma constitucional. Baduel fala em justiça social e mesmo em “socialismo”, só que “democrático”.
No fundo, o ideário e o discurso de Baduel são os mesmos de Chávez, apenas calibrados com alguma temperança e desprendimento pessoal. “Devemos inventar um novo modelo de socialismo do século 21, mas não de maneira desordenada e caótica, e sim valendo-nos das ferramentas da ciência, com lógica, método e ordem”, postulou Baduel em duas entrevistas, antes e depois do referendo. “A produção socialista não contradiz a democracia, com seus contrapesos e divisão de poderes. Nosso modelo de socialismo deve ser profundamente democrático.”
Onde Chávez é conflituoso e polarizador, Baduel, que o ajudou a fundar o Movimento Bolivariano Revolucionário 200 em 1982, mas não participou da intentona de 1992, mostra-se tolerante e includente. “A reforma (de Chávez) dá status constitucional à ideologia socialista”, criticou ele. “Dessa forma, quem não subscreve essa ideologia é excluído da proteção da Constituição.”
Baduel, que não descarta candidatar-se a presidente em 2012, está longe de ter o carisma de Chávez. Mas, para aqueles que acham que o “comandante” foi longe demais em sua “revolução bolivariana” e consideram que a oposição tradicional não se importa com os pobres, o general da reserva pode se revelar a escolha natural.