Nas eleições de hoje, a vitória da União Democrata-Cristã (CDU) deve garantir um quarto mandato para a chanceler Angela Merkel, no cargo há 12 anos
“Quando a França espirra, a Europa pega um resfriado.” A frase, do diplomata austríaco Klemens von Metternich, reflete o mundo do final do século 18 e início do 19, quando as sucessivas revoluções francesas reverberavam sobre todo o continente. Do século 20 para cá, a Alemanha passou a ocupar esse lugar.
Nas eleições deste domingo, 24, a vitória da União Democrata-Cristã (CDU) deve garantir um quarto mandato para a chanceler Angela Merkel, no cargo há 12 anos. As votações dos partidos Social-Democrata (SPD) e Liberal-Democrata (FDP), e as negociações que se seguirão, definirão a composição da nova coalizão.
O SPD esteve em coalizão com a CDU durante 8 dos 12 anos do governo Merkel. O partido de centro-esquerda sofre uma crise de identidade e poderá optar por ingressar na oposição para reavê-la. O FDP é um parceiro tradicional da CDU, que comunga sua visão liberal da economia.
Do ponto de vista externo, a diferença mais importante entre SPD e FDP está na resistência dos social-democratas contra a elevação dos gastos com a defesa, defendida pela CDU e pelo FDP. A Alemanha destina 1,2% do PIB à defesa. Merkel pretende atingir a meta da Otan, de 2%, algo que o presidente Donald Trump vem pressionando os aliados europeus a fazer.
Uma coalizão CDU-FDP tornaria mais suave a negociação para essa elevação. Isso é importante, neste momento. Os EUA gastam 3,6% do PIB com defesa; a França, 2,3%; o Reino Unido, 1,8%; a Itália, 1,5%. A disparidade do investimento enfraquece a posição dos europeus na definição das prioridades de defesa mútua com os EUA.O “realismo com base em princípios” de Trump, enunciado em seu discurso na Assembleia-Geral da ONU na terça-feira, um híbrido de isolacionismo e intervencionismo, tende na prática mais para o realismo do que para os princípios. Tanto assim que o presidente americano poupou a Rússia e a China em seu discurso, focando em ameaças contra países menores: Coreia do Norte, Irã, Venezuela e Síria.
Embora tanto uns quanto os outros contrariem os interesses americanos, ficou claro que o respeito à soberania de cada um pelos EUA depende do custo de atropelá-la. Isso é realismo.
As ameaças de Trump de “destruir” a Coreia do Norte e de se retirar do acordo nuclear com o Irã elevam a instabilidade no mundo e, com ela, a importância da liderança e do papel moderador da Alemanha de Merkel.
Tanto Merkel quanto o presidente da França, Emmanuel Macron, manifestaram seu apoio à manutenção do acordo com o Irã. A cada três meses, a Casa Branca informa ao Congresso sobre se o Irã está cumprindo o acordo. Ele está.
Mas Trump argumenta que o Irã está violando o seu “espírito”, ao desenvolver mísseis e apoiar o regime de Bashar Assad na Síria, a milícia xiita libanesa Hezbollah e os rebeldes houthis no Iêmen. Por trás dessas queixas, estão Israel e Arábia Saudita. No dia 15, o governo americano renovará ou não a certificação. Caberá, então, ao Congresso dar a palavra final.
Como em outras cruzadas de Trump – contra o livre-comércio com a China e o México, por exemplo –, é provável que ele ameace com a ruptura para renegociar o acordo em seu favor.
Mas há uma imensa turbulência em tudo o que envolve o presidente americano. Nesse contexto, a previsibilidade da eleição alemã é reconfortante. Embora ela sele a entrada da Alternativa para a Alemanha no Parlamento, o partido ultranacionalista terá uma representação pequena e ficará isolado. Com isso, a onda da extrema direita na Europa reflui, e o continente poderá se concentrar no reforço de suas instituições políticas e econômicas. O mundo precisa da Europa mais do que nunca.
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