Líder francês propõe mudanças na UE no momento em que Merkel negocia coalizão
No domingo passado, comecei a coluna lembrando a frase do início do século 19 do diplomata austríaco (nascido na Alemanha) Klemens von Metternich: “Quando a França espirra, a Europa pega um resfriado”. Eu dizia que a Alemanha, “motor da Europa”, assumiu esse lugar antes destinado à França. Isso continua sendo verdade, mas com novas nuances.
Em seguida ao resultado da eleição alemã do domingo, da qual Angela Merkel saiu com a tarefa de costurar uma coalizão mais problemática do que a que ela encabeçou nos últimos quatro anos, o presidente francês, Emmanuel Macron, lançou-se ao papel de novo líder da Europa.
Além disso, Macron falou em reforçar as fronteiras externas do bloco contra fluxos imigratórios descontrolados, centralizar a administração da imigração e a concessão de asilo; unificar o imposto sobre transações financeiras, as políticas para energias renováveis e os incentivos à inovação digital.
A reação de Merkel refletiu sua condição política, de quem está tateando o terreno das negociações para a formação de um novo governo, que poderão levar meses. Seu porta-voz disse que ela viu com bons olhos o fato de o presidente francês falar com “tanta paixão europeia”, e “apresentar muita substância para o debate essencial sobre o futuro da Europa”. Mas ponderou que “é muito cedo para uma avaliação detalhada” de suas propostas.
Em linhas gerais, a chanceler alemã compartilha essas ideias. O problema é que o Partido Social-Democrata, seu aliado na coalizão dos últimos quatro anos, anunciou que irá para a oposição. O Partido Liberal-Democrata (FDP), candidato natural a compor a nova coalizão, é contra o aumento da centralização do poder na Europa.
A dificuldade de Merkel é ainda maior porque o apoio do FDP não é suficiente para formar governo: ela precisa também atrair os Verdes, que têm visões diferentes de seus outros dois eventuais parceiros. De maneira que Merkel está de mãos atadas. Macron aproveitou para ocupar o vazio de liderança deixado por ela.
A ascensão de Macron no cenário europeu coincide também com o esforço da primeira-ministra britânica, Theresa May, em preparar uma saída suave da UE. Em pronunciamento em Florença na sexta-feira retrasada, May pediu mais dois anos para concluir a retirada britânica, estendendo as regras atuais de livre-comércio, circulação de pessoas, etc., de 2019 para 2021. Londres se propõe a pagar nesse período os € 20 bilhões cobrados pela UE como conta de saída, que equivalem mais ou menos ao custo da permanência no bloco.
O recuo reflete a situação de desvantagem britânica, no momento em que a economia europeia volta a crescer com mais robustez, enquanto o Reino Unido tem sua nota de crédito rebaixada pela agência de avaliação de risco Moody’s. Nada como um dia após o outro.
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