Vittorio Corbo: ‘O Chile soube administrar a bonança’

Em entrevista a EXAME, o ex-presidente do Banco Central chileno fala sobre os acertos do modelo liberal do país. Neste domingo, os chilenos elegeram Sebastián Piñera presidente

CORBO, EX-PRESIDENTE DO BC CHILENO: sucesso do país está calcado no cuidado com as regras fiscais e com as contas públicas | Divulgação

SANTIAGO – Um dos segredos do êxito do modelo de desenvolvimento chileno é a independência do Banco Central. Vittorio Corbo, de 74 anos, doutor em economia pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) e ex-pesquisador na Universidade Stanford e no Fundo Monetário Nacional, é um exemplo vivo disso. Mesmo com suas ideias liberais, ele presidiu o Banco Central durante o governo do socialista Ricardo Lagos (2002-2006). Mas também é verdade que Lagos, assim como a presidente Michelle Bachelet em seu primeiro mandato (2006-2010), não estavam tão à esquerda assim. Nesta entrevista a EXAME, no seu imponente escritório na Avenida El Golf — uma espécie de Avenida Brigadeiro Faria Lima de Santiago —, Corbo descreve os acertos do modelo chileno e os erros do segundo mandato de Bachelet, que se encerra em março do ano que vem. Neste domingo, 17, os chilenos foram às urnas para escolher entre o socialista Alejandro Guillier, candidato de Bachelet, e o ex-presidente Sebastián Piñera, de centro-direita, que governou o país entre entre 2010 e 2014. Piñera levou a melhor, mas ninguém espera grandes guinadas políticas e econômicas no país mais desenvolvido da América Latina. Corbo tratou dos principais desafios econômicos do Chile.

A que se deve o sucesso do modelo chileno?
Ele se deve às reformas, à abertura comercial e ao fortalecimento das instituições, como a autonomia do Banco Central, a partir de 1989. O sistema financeiro é muito bem regulado e supervisionado. Há muito cuidado com as regras fiscais e as contas públicas. Há uma década tivemos um impulso importante nos preços das commodities. A presidente Michelle Bachelet [no primeiro mandato] respeitou as regras fiscais, que exigem poupar quando os preços do cobre estão acima da média, e fez um colchão de 15% do PIB entre 2006 e 2007. Ao contrário de outros países, o Chile foi cuidadoso em administrar a bonança e evitar uma grande valorização da moeda. Um chileno tem uma expectativa de vida ao nascer maior que a média da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A pobreza diminuiu muito.

Qual o balanço o senhor faz deste segundo governo de Bachelet, que está se encerrando?
O Chile viveu um choque quando o preço do cobre começou a cair, em 2014. A atual administração introduziu uma série de reformas, algumas não muito bem elaboradas, e isso deteriorou o ambiente para os investimentos. Então sofremos dois choques: um externo, que agora se dissipou, e um interno pela incerteza criada pelas reformas, algumas deficientes no desenho e na implementação.

Quais deficiências?
Na reforma tributária, Bachelet ganhou a batalha de arrecadar mais três pontos percentuais do PIB para gastos em educação e saúde. Mas o desenho da reforma criou grandes custos para as empresas para cumprir a lei, porque é muito complexo o sistema, e porque os impostos para elas subiram. O governo criou dois sistemas paralelos de cobrança do imposto de renda da pessoa física dos empresários — um baseado no faturamento efetivo, outro no presumido. A direção da empresa tem de submeter a escolha à assembleia de acionistas, porque um sistema convém mais a uns e não a outros. Nenhum país do mundo tem isso. O resultado desses dois choques é que vamos terminar os quatro anos com um crescimento medíocre, abaixo dos 2%. E o investimento cai todos os anos desde 2014.

E quanto à reforma trabalhista?
O Chile precisa de uma reforma para se preparar para o século 21, para as novas tecnologias. A OCDE diz que há espaço para flexibilizar as horas trabalhadas, dar mais espaço para as mulheres e os jovens se integrarem ao mercado, reduzir as indenizações por tempo de serviço, que criam rigidez e inibem a mobilidade. Mas nada disso está na reforma (feita por Bachelet). Ela dá muito mais poder aos sindicatos e não reduz os problemas do país. É pensada para o século 19.

O sistema previdenciário também é um problema?
Claro. Esta administração de Bachelet mandou um projeto. Nas pesquisas, dois terços dos chilenos o consideram ruim. Porque o Chile tem um problema na previdência. Não é tão grave quanto no Brasil, mas os chilenos aos 65 anos hoje vivem sete anos mais do que quando se criou o sistema, em 1981. É preciso receita para cobrir isso e pagar aposentadorias por mais tempo. As taxas de juros de longo prazo caíram fortemente no mundo. O mundo está poupando muito e investindo pouco. Os investimentos já não são mais em empreendimentos físicos. São sobretudo em cérebros, em tecnologia: Facebook, Apple, que demandam pouco investimento. Então a demanda por investimentos no mundo não tem crescido tanto quanto a oferta. Os asiáticos acham que vão viver 500 anos, e poupam demais. Há um excesso de poupança e taxas de juros estão no chão. Os fundos de pensão rendem pouco. E houve ainda períodos longos de desemprego, de gente com baixa qualificação. Essas lacunas de contribuição obrigam a fazer ajustes no sistema previdenciário. Mas qualquer pessoa verá que é preciso poupar mais. A reforma que propôs este governo eleva a taxa de contribuição em cinco pontos percentuais sobre o salário, de 10% para 15%. Desses cinco pontos, três são descontados dos salários e dois pontos são de solidariedade, para quem recebe benefícios baixos. Na prática, esses 2% são um imposto sobre o trabalho. Façamos a solidariedade com receitas de todos, com os impostos gerais da nação, incluindo sobre ganhos de capitais. Por que os trabalhadores vão pagar por isso? Os trabalhadores se opõem porque dizem que esses 2% deveriam ir para suas contas. Essa reforma está no Congresso agora, mas não tem urgência.

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