Relatório anual da ONG Human Rights Watch sobre a situação dos direitos humanos no mundo mostra a ameaça do populismo
O relatório anual da ONG Human Rights Watch (HRW) sobre a situação dos direitos humanos no mundo abre com a ameaça do populismo. Presente em 90 países, a HRW costuma denunciar guerras, genocídios, torturas e repressão.
O relatório está repleto de denúncias dessas violações. Mas o fato de a organização colocar o populismo no topo da agenda é significativo. A ameaça é abordada de dois pontos de vista: o global e o interno.
Internamente, o populismo atropela os direitos das minorias, em nome de uma maioria manipulada por uma propaganda eficaz. Chega ao poder pela democracia, a destrói por dentro, converte-se em tirania e se perpetua, mesmo depois de perder o apoio da maioria.
Quando as pessoas se sentem ameaçadas, seja pela violência, queda do padrão de vida ou perda de identidade, tornam-se vulneráveis à mensagem populista. Para quem sofre com as incertezas de um mundo em mudança, essa propaganda oferece certezas. Sua mensagem não tem nuances. O mundo dos populistas está claramente dividido entre bons e maus, certos e errados.
Alívio populista. Não é real, mas é uma ilusão reconfortante. No mundo empírico, há dúvidas, ambivalência, experimentos mais ou menos bem-sucedidos, tentativa e erro. A ilusão populista elimina todo esse trabalho, todo esforço de planejar, ceder, negociar os desejos com a realidade e com as outras pessoas.
Ela promete um canal direto entre o desejo e sua realização. É simples. A complexidade do mundo cansa e perturba as mentes frágeis. O populismo é um alívio. Karl Marx escreveu que “a religião é o ópio do povo”. Poderia ter dito o mesmo do populismo, que tem um aspecto messiânico, salvador, de sujeição da razão argumentativa a uma fé passional e cega.
O populismo borra as fronteiras clássicas entre direita e esquerda. No “nacional-socialismo” de Adolf Hitler, o Estado tinha papel tão central na economia, na moral e no destino das pessoas quanto na União Soviética, na China, na Coreia do Norte, em Cuba e na Venezuela.
Donald Trump é contra o livre-comércio. Os conservadores e nacionalistas responsáveis pelo Brexit, também. O programa de Marine Le Pen previa expansão do estado de bem-estar social.
O rótulo de “direita” colocado nesses políticos não tem sentido econômico. Eles roubaram a agenda da esquerda na economia. Daí seu êxito. “Direita”, no seu caso, significa “nacionalista” e “conservador na moral”.
Inversão ideológica. Esse apelo é tão forte que o eleitor de Trump, filmado se vangloriando de agarrar as mulheres pela vagina, assim como o de Jair Messias Bolsonaro, que diz ter investido o auxílio-moradia da Câmara em “comer gente”, confia em seu suposto conservadorismo moral. Um sarcasmo machista, encampado por muitas mulheres, tempera o “novo normal” conservador.
Há diferenças entre países, para se moldar às crenças locais. Trump segue o ideário do Estado mínimo, como mostram sua reforma tributária e sua luta implacável contra o Obamacare.
Em princípio, a esquerda é liberal na moral e intervencionista na economia. Quando abraça o populismo, ela também cruza fronteiras, como mostraram a aliança do PT com as bancadas evangélica e católica e sua promiscuidade com grandes grupos privados.
Por trás da suposta clareza da mensagem, há um projeto opaco de perpetuação no poder. A divisão real é entre o populismo e um liberalismo consistente, tanto na economia quanto na moral. Seu princípio definidor: o Estado só deve intervir para garantir os direitos dos cidadãos, não para atropelá-los, nem para decidir por eles.
Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.