A corrida japonesa contra o isolamento

A guerra comercial e os novos acordos políticos em curso na Ásia colocam novos desafios sobre o Japão e sua recuperação econômica

SHINZO ABE, NO PARLAMENTO: risco de ficar para trás fez o presidente marcar nova reunião com Trump e tentar uma conversa com Kim | Issei Kato/ Reuters

Kyoto — A fúria mercantilista do presidente Donald Trump preocupa o Japão. Por ora, quem está na mira dos americanos é a China. Mas o primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, tem reunião com Trump nos dias 17 e 18 em Mar-a-Lago. Será a segunda vez que o premiê japonês vai jogar golfe com o bilionário americano em seu balneário na Flórida.

Talvez fosse melhor para Abe ficar em casa dessa vez. O governo japonês teme que o presidente americano, já em ritmo de campanha para as eleições para o Congresso em novembro, pressione o Japão a abandonar sua política monetária e cambial frouxa, que tem impulsionado as exportações e, com elas, o tímido crescimento econômico do país. Trump acusou o Japão em janeiro do ano passado de favorecer as empresas exportadoras japonesas mantendo o iene desvalorizado.

No mês passado, Trump firmou um acordo comercial com o presidente sul-coreano, Moon Jae-in, que incluiu um compromisso de evitar uma corrida cambial entre os dois países. O Japão, no entanto, conta com um delicado arranjo de suas políticas econômicas, que inclui juro negativo (-0,1%), iene barato e gastos públicos, para escapar da recessão. A economia japonesa cresce há oito trimestres consecutivos, o melhor resultado desde março de 1989. Em março, o crescimento anualizado foi de 1,6%.

Abe, o primeiro governante a se reunir com Trump ainda como presidente eleito, na Trump Tower, em Nova York, em 17 de novembro, tem se gabado de sua capacidade de desenvolver uma boa química com ele. “Eu posso construir um relacionamento com este homem”, disse o premiê a seus assessores, depois do primeiro encontro. Com o ex-presidente Barack Obama ele admite que não conseguiu.

De fato, num primeiro momento, Abe conseguiu dois feitos importantes: Trump não repetiu mais as acusações comerciais e ameaças de sobretaxas contra o Japão e ainda confirmou seu compromisso com o pacto de defesa mútua entre os dois países, em caso de agressões, por exemplo, da Coreia do Norte ou da China.

Mas o primeiro-ministro japonês não alcançou o seu objetivo imediato — dissuadir Trump de se retirar da Parceria Transpacífico (PPT). O bloco de 11 países se reorganizou sem os Estados Unidos, mas a perda do mercado americano foi uma frustração significativa.

Os japoneses também temem pelo futuro do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), em renegociação neste momento. “O Japão tem menos de 500 empresas no Brasil e 1.000 no México”, comparou Kotaro Horisaka, economista da Universidade de Sophia, em Tóquio, em entrevista a EXAME. “Nissan, Toyota e Honda têm grandes filiais no México, para atender os mercados mexicano e americano.”

A população japonesa diminui cerca de 1% ao ano, por causa da baixa natalidade. E o consumidor japonês resiste em consumir: os salários são relativamente baixos, ele trabalha demais e poupa para a aposentadoria, que lhe parece incerta. Assim, resta o mercado externo como propulsor do crescimento.

“Para o Japão, o livre comércio é muito importante”, disse a EXAME Heizo Takenaka, ex-ministro de Assuntos Internos, da Privatização e das Comunicações, e presidente da agência de empregos Pasona. “Nós nos desenvolvemos graças à indústria automobilística.” E à sua capacidade de exportar para o mundo todo. As exportações representam 18% do PIB japonês e 13% do americano. Se Trump está preocupado com o comércio, imagine Abe.

Otimismo na economia, tensão na política 

A ansiedade em torno dos próximos passos da guerra anunciada — e ainda não desencadeada — entre EUA e China coincide com um momento de maior otimismo no Japão. Algumas empresas parecem estar finalmente ouvindo os apelos de Abe, para que ajustem os salários de seus funcionários em 3%, ou seja, acima do tradicional 1%. Reajustes desse nível não são dados há 20 anos. Depois de conviver com o fantasma da deflação — se os preços vão cair, para que consumir agora? —, o Japão registra inflação de 1,5% (nos 12 meses até fevereiro). A meta de Abe é chegar aos 2%.

Algumas empresas começam a oferecer reajustes de até 5%. Com índice de desemprego de 2,4%, o Japão vive tecnicamente em pleno emprego. Há 1,59 vaga para cada pessoa procurando um emprego, nível mais alto desde 1974. A inércia dos salários está relacionada com as leis trabalhistas. Desenhadas para os empregos de vida toda (que hoje representam só 20%), elas desestimulam o pedido de demissão por parte dos empregados. Com isso, os trabalhadores exigem menos aumentos salariais e os patrões oferecem menos também.

Vem aí um aumento de Imposto sobre Valor Agregado, já aprovado, de 8% para 10%. Abe tem adiado a adoção da medida, com receio de ela inibir o consumo. Mas não tem mais como fazer isso, e ela passará a vigorar a partir de outubro de 2019. O objetivo é conter o déficit, que torna o Japão o país mais endividado do mundo em relação ao seu PIB: 239%. A dívida japonesa atinge US$ 12 trilhões. A americana é maior: US$ 15 trilhões, mas isso representa apenas 79% do PIB dos EUA.

O receio é tão grande com o impacto sobre a atividade econômica que o governo japonês já começou a rediscutir se mantém a meta de superávit primário a partir de 2020. Esse esforço deve ser abandonado, diante da prioridade de manter o gasto público elevado para evitar a volta da recessão.

Ao lado do comércio e da economia, há as tensões em relação à Península Coreana. Os ministros das Relações Exteriores da China, Wang Yi, e da Rússia, Sergei Lavrov, reuniram-se na quinta-feira em Moscou, e exigiram que os Estados Unidos retirem a pressão pela desnuclearização da Coreia do Norte.

Eles enfatizaram a importância da reunião de cúpula entre os presidentes das Coreias do Sul e do Norte, prevista para o dia 27. E do encontro em maio, ainda não marcado, entre o norte-coreano Kim Jong-un e Trump.

Uma coordenação entre China e Rússia, a aproximação das duas Coreias e a reunião Trump-Kim isolam o Japão, cuja estratégia tem sido ancorada no pacto de defesa mútua com os EUA. Por isso, Abe pediu para também ter uma reunião de cúpula com Kim. De repente, todo mundo quer falar com o jovem ditador.

Apesar dos esforços de Abe, que foi aos Jogos Olímpicos de Inverno de Pyeongchang em fevereiro, Japão e Coreia do Sul não têm relações muito boas, por causa de ressentimentos causados pela ocupação japonesa da Península Coreana na 2.ª Guerra Mundial.

O Japão precisa dos Estados Unidos neste momento. Abe terá que se superar em sua destreza nos campos de golfe de Mar-a-Lago. Não para derrotar Trump, claro. Isso não ajudaria. Mas para amolecer o seu coração.

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