O Brasil teve uma atitude rara na sexta-feira: aproveitou uma oportunidade da conjuntura internacional. O leilão de quatro áreas de pré-sal na Bacia de Campos coincidiu com o petróleo cruzando a barreira de US$ 80 o barril, ou quase o dobro do valor há um ano e o triplo de 2016.
A alta tem várias causas. Novas sanções dos Estados Unidos contra o Irã entram em vigor no dia 4 de novembro. O Irã é o terceiro maior produtor da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep). Suas exportações caíram 800 mil barris por dia desde que o presidente Donald Trump anunciou, no início de maio, o rompimento do acordo nuclear iraniano.
De lá para cá, o preço do barril subiu 20%. As sanções devem retirar outros 500 mil a 1,5 milhão de barris de petróleo iraniano do mercado, diante do temor dos importadores de represálias dos EUA.
A produção da Venezuela, que detém as maiores reservas do mundo, cai mês a mês. De 3,2 milhões de barris diários (b/d) quando Hugo Chávez assumiu, em 1999, encolheu para 2,4 milhões quando Nicolás Maduro o sucedeu, em 2013, e agora está em 1,4 milhão.
A Rússia e a líder da Opep, a Arábia Saudita, pretendem seguir adiante com a decisão conjunta de não aumentar a oferta global de petróleo. Os dois países são o primeiro e segundo maior produtor mundial, respectivamente.
Um barril mais próximo de US$ 100 do que de US$ 50 é mais condizente com as necessidades de gastos e de investimentos do presidente russo, Vladimir Putin. E o petróleo saudita é o que mais substituirá o iraniano.
A Rússia está batendo novo recorde de produção de petróleo desde o fim da União Soviética (quando se somava à das repúblicas da Ásia Central). De 11,21 milhões b/d em agosto, deve superar 11,35 milhões em setembro.
Como se vê, manter estável a oferta global não impede esses países de aumentar a sua produção individual. O aumento do preço é uma situação de ganha-ganha para eles, já que ao mesmo tempo poderão vender mais.
Chame isso de geopolítica do petróleo: a Arábia Saudita, principal rival regional do Irã, fomenta e ao mesmo tempo se beneficia da hostilidade do presidente Donald Trump contra o regime iraniano.
A Rússia, aliada do Irã na Síria, se favorece duplamente com a ruptura do acordo. Além do petróleo mais caro, a Rússia também terá mais oportunidades de comércio e investimentos com o Irã, já que não adere às sanções americanas. Ao contrário, também é alvo delas.
Em terceiro lugar no ranking vêm os EUA, cuja produção quase dobrou entre 2007 (5,1 milhões b/d) e 2017 (9,3 milhões), com a exploração do petróleo de xisto. Como grandes consumidores, no entanto, os americanos estão em 13.º no ranking dos exportadores.
Trump se preocupa com o impacto do aumento do preço da gasolina sobre sua campanha à reeleição em 2020 e quer estimular o aumento da produção. Mas essa capacidade está se esgotando, por gargalos de infra-estrutura.
O que se contrapõe ao cenário de alta do preço do barril é a dinâmica da economia chinesa e global. A China, que foi responsável pela maior parte do aumento da demanda de petróleo na década passada, está desacelerando. Além disso, a sofisticação de sua indústria e a conversão para o setor de serviços diminuem seu consumo de energia.
O Banco Central americano elevou mais uma vez os juros na semana passada, e deve continuar fazendo isso este ano e no ano que vem. O Banco Central Europeu também sinaliza com redução dos estímulos adotados desde a crise de 2008. O mundo vai crescer menos no ano que vem e, com ele, a demanda por petróleo.
A conclusão é que o Brasil deve evitar dois erros do passado recente: gastar o que não tem e afugentar investimentos estrangeiros, com reservas de mercado para a Petrobrás e outras estatais.
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