Com a ajuda de programas sociais e da incompetência da oposição, presidente deve aumentar o controle sobre a Assembléia Nacional
CARACAS
Na manhã de sexta-feira, seis pessoas lotam a sala de espera da pequena Clínica Popular de Altagracia, bairro pobre de Caracas. Alguns serão atendidos por um clínico-geral cubano. Outros, por um dentista cubano. Todos estão contentes. “A saúde melhorou super com o Bairro Adentro”, diz a estudante de educação Jacqueline Piña, de 22 anos, referindo-se ao convênio entre os governos venezuelano e cubano. “Antes, muitas pessoas morriam nos hospitais. Eles não servem para nada.”
“Trataram bem dos meus dentes no ano passado, e estou voltando”, sorri Cielo Hollos, de 28 anos, que trabalha de faxineira numa escola pública. “Antes, só havia dentista particular. Agora, dão até remédio grátis. As coisas estão melhorando, pouco a pouco.”
A Missão Bairro Adentro – todos os programas do governo Hugo Chávez levam o nome de missão – é talvez o exemplo mais substancial da famosa “revolução bolivariana” propagada pelo presidente venezuelano. De fato, ela tem todos os ingredientes: a atenção aos pobres e aos problemas sociais, a cooperação com os “hermanos” latino-americanos e, claro, a inspiração no socialismo cubano.
Mas não é o único. As Missões Robinson 1 e 2 estão dando ensino básico a 1,857 milhão de jovens e adultos, segundo dados do Ministério da Educação. Pela Missão Ribas, 743 mil estão completando os estudos no ensino médio. E a Missão Sucre acolhe 238 mil estudantes universitários, oriundos da Missão Ribas. Não é pouco, numa população de 26 milhões.
Mas a Missão Hábitat é a que tem mais apelo popular. Segundo o ministro da Habitação, Luís Carlos Figueroa, 5.500 famílias já foram atendidas pelo programa, que já absorveu 28 bilhões de bolívares (cerca de R$ 30 milhões), dando casas ou materiais de construção aos que necessitam.
Na tarde de sexta-feira, 637 famílias cujas casas foram destruídas recentemente por fortes chuvas eram agraciadas com suas novas escrituras, numa cerimônia no Teatro Municipal, transmitida ao vivo pela TV estatal. “Dou graças a Deus e a Chávez”, emocionou-se Nora Delgado, uma das felizardas. “Que viva Chávez!” Uma senhora de cabelos grisalhos exclamou: “Este é um presente de Natal. Graças ao Deus todo poderoso, já não estamos mais marginalizados. Estamos aqui!”
Este é um sentimento comum entre a grande massa de venezuelanos pobres: o de que, pela primeira vez em sua geração, um presidente se preocupa com eles. Numa população em que 38% pertence à classe D e 43%, à classe E, essa sensação tornou o presidente venezuelano imbatível eleitoralmente. Depois de vencer em 1998, Chávez conseguiu eleger uma Assembléia Constituinte amplamente governista, referendada nas urnas; passou por uma nova eleição em 2000, e venceu um referendo em 2004, que o confirmou mais uma vez no cargo.
Nas eleições de hoje para a Assembléia Nacional, no entanto, a invencibilidade de Chávez atinge uma nova dimensão. Das outras vezes, a oposição pelo menos tentou derrotá-lo. Na semana que passou, quatro dos cinco principais partidos de oposição se retiraram da disputa, restando apenas o Movimento ao Socialismo, uma dissidência do Partido Comunista. É a primeira vez na história que partidos tradicionais como Ação Democrática e Copei ficam de fora de um pleito.
Sua alegação é a de que as urnas eletrônicas trazidas dos Estados Unidos estão sujeitas a fraude. Não é o que pensam observadores da União Européia e da Organização dos Estados Americanos, que vieram monitorar a lisura das eleições, e atestaram a inviolabilidade do sistema. Em qualquer caso, de acordo com as pesquisas, feitas antes do boicote, a oposição elegeria no máximo 17 deputados, num Parlamento de 167.
Pesquisa publicada pelo jornal El Universal, em outubro, deu 58% de preferência ao Movimento Quinta República, de Chávez. Somados, os três principais partidos de oposição reuniram 16% das preferências. Para a eleição presidencial de dezembro do ano que vem, na qual Chávez já é candidato assumido, as intenções de voto são maiores que a do seu partido: 61%.
Nas classes média e alta, a rejeição a Chávez é grande, mas, para muitos venezuelanos, os partidos tradicionais de oposição perderam o status de alternativa. Até entre os mais jovens, predomina o desânimo. “Apoiei a oposição, mas agora estou decepcionada”, diz Mariangelica Betancur, de 21 anos, estudante de direito na Universidade Central da Venezuela, onde estuda a elite do país. “Não me parece uma eleição legítima. Não vou votar.”
Chávez emergiu do golpe de abril de 2002, promovido pela oposição, com 10 pontos porcentuais a mais de aprovação: de 34% para 44%. Hoje, essa aprovação é de 68%. Pesquisas qualitativas do instituto Datanálisis mostraram que o bloqueio da produção de petróleo em dezembro de 2002, também promovido pela oposição, que causou desaceleração econômica e desemprego, foi reprovado pela classe média.
Diante dos números, e da desistência da oposição, o grande inimigo do governo, neste domingo, passa a ser a abstenção. A última pesquisa do Datanálisis, de 28 de outubro, portanto antes do boicote da oposição, indicava que apenas 45% dos eleitores pretendiam votar. “É possível que hoje a abstenção seja muito mais alta”, estima John Magdaleno, diretor do instituto. Chávez lançou a si mesmo e a seus ministros e autoridades do governo numa campanha em favor da votação, tachando o boicote da oposição como “uma diretriz do imperialismo americano”.
A alta abstenção pode arranhar a legitimidade do pleito, como deseja a oposição, mas a lei venezuelana não estipula um patamar mínimo de comparecimento. Assim, da eleição de hoje, emergirá uma Assembléia Nacional pronta para fazer o que Chávez quiser. E quais são suas intenções? Especula-se que ele reduza ou elimine de vez os limites à reeleição presidencial, virtualmente perpetuando-se no cargo.