Temerosa, oposição evita ir à Assembléia

CARACAS – O secretário-geral da Organização dos Estados Americanos, ocolombiano César Gaviria, teve ontem uma demonstração do grau de polarização a que chegou a Venezuela.

 

Gaviria, que veio a Caracas colher informações para um informe que apresentará amanhã aos embaixadores da OEA, chegou logo cedo à Assembléia Nacional, para ouvir os deputados. Entretanto, ali só havia deputados que apóiam o governo.

Para se encontrar com os oposicionistas, que se recusaram a falar ao lado dos governistas, teve de ir ao Hotel Hilton, depois de se reunir com o presidente Hugo Chávez, no Palácio Miraflores.

Os deputados alegaram que sua integridade física não estava assegurada, citando como exemplo o atentado que matou um guarda-costas do deputado Carlos Tablante, dirigente do Movimento ao Socialismo (MAS). O presidente da Assembléia, William Lara, que apóia Chávez, pediu reforço da Guarda Nacional para proteger os deputados e proibiu aglomerações na frente do Parlamento.

Os oposicionistas prometeram comparecer ao plenário hoje.

A separação física possibilitou uma primeira avaliação da força da oposição – que veio crescendo nos últimos meses -, depois do golpe seguido de contragolpe no fim da semana. Do total de 165 deputados da Assembléia, 56 compareceram ontem ao Hilton, mas, segundo representantes do grupo, eles somam 79.

Antes do golpe de quinta-feira, a oposição apresentou uma moção de desconfiança contra o ministro do Interior e Justiça, Ramón Rodríguez Chacín. A votação não chegou a se concretizar, mas a contagem feita pelo governo mostrou que teria maioria de apenas dois ou três deputados, disse ao Estado um assessor do Palácio Miraflores. “Já temos mais da metade das cadeiras”, garantia ontem o deputado Ivan Mariano López, vice-presidente do partido de oposição Aliança Bravo Povo.

Em julho de 2000, os partidos aliados a Chávez elegeram cerca de dois terços da Assembléia. A onda de dissidências ocorreu a partir do início deste ano, como parte das reações à radicalização da “revolução pacífica” conduzida pelo presidente, materializada em 49 “leis habilitantes”, promulgadas em novembro.

O chamado à reconciliação, reiterado por Chávez desde que reassumiu o poder, na madrugada de domingo, não sensibilizou os oposicionistas.

“Quando o presidente pede perdão, tem que renunciar, para que esse pedido seja crível”, declarou o deputado Pastor Heydra, da Ação Democrática (AD), responsabilizando Chávez pela morte de 15 pessoas no choque de manifestações contra e pró-governo, na quinta-feira, que culminou na sua deposição pela cúpula militar.

“Por acaso não estão violentando a institucionalidade do país há três anos?”, perguntou o secretário-geral do Partido Social-Cristão (Copei), para justificar o apoio ao golpe da madrugada de sexta-feira.

Calderón citou como exemplos de violações a conduta do Tribunal Superior de Justiça, composto de juízes nomeados por Chávez, que “burlou muitas decisões tomadas pela Assembléia”, e as 49 leis habilitantes, “aprovadas sem consulta à sociedade”.

Calderón concluiu com um comentário que dá a impressão de que as turbulências não vão parar por aqui: “Preferimos passar pelo túnel curto da transição a permanecer num túnel de inconstitucionalidade.”

Os deputados dos dois lados entregaram documentos e evidências – incluindo filmagens – a Gaviria, que não se pronunciou sobre o conteúdo de suas averiguações, prometendo falar com a imprensa hoje, antes de voltar para Washington. Os dois grupos propuseram a instalação de uma “Comissão Verdade”, com participação de observadores internacionais, para acompanhar as investigações dos incidentes ocorridos desde quinta-feira, que deixaram um total de 46 mortos e 330 feridos.

O secretário-geral da Confederação de Trabalhadores da Venezuela (CTV), Manuel Cova, rejeitou ontem “qualquer tentativa de ruptura da ordem constitucional, que negue a natureza democrática da nossa sociedade”. Mas solicitou que o presidente “abandone sua política autoritária e excludente”.

 

A CTV participou da mobilização de meio milhão de manifestantes contra Chávez na quinta-feira, ao lado de associações empresariais e partidos de oposição. Cova convocou para a tradicional marcha do 1.º de maio, que pode converter-se na próxima queda-de-braço entre governo e oposição, nas ruas de Caracas.

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