A semana que passou foi reveladora no campo do comércio exterior. Brasil e Argentina, que engatinham (há 28 anos) na integração, e o Reino Unido, que procura a porta de saída, depois de percorrer todos os seus meandros, apontaram igualmente para onde o calo aperta: a tarifa externa comum (TEC), que os impede de negociar acordos bilaterais com outros mercados.
Os presidentes Jair Bolsonaro e Mauricio Macri se comprometeram a reformar o Mercosul, de modo que ele deixe de ser um empecilho e se torne um motor do livre comércio, como era o seu propósito inicial. Ou, na formulação de Bolsonaro, “construir um Mercosul enxuto”.
Ambos colocaram como objetivo facilitar a integração entre os países membros e concluir a negociação de um acordo de livre comércio com a União Europeia (UE). Nos dois casos, será preciso enfrentar a resistência de segmentos empresariais brasileiros e argentinos.
Bolsonaro foi o terceiro presidente brasileiro com quem Macri se encontrou, depois de Dilma Rousseff e Michel Temer. O presidente argentino disse a seus assessores que foi com quem sentiu mais “sintonia”. Dilma e Cristina Kirchner também gozavam de muita afinidade, só que na aversão ao livre mercado.
Para se livrar da TEC, o Mercosul teria de deixar de ser uma união alfandegária (no caso, incompleta, por causa da imensa lista de exceções à tarifa zero). E não poderia caminhar para um mercado comum, como a UE, mas para uma área de livre comércio, como o Acordo Estados Unidos-México-Canadá (USMCA, antigo Nafta), ou como a Parceria Transpacífico, cujos integrantes estão livres para fazer acordos bilaterais e até pertencer a outros blocos.
Depois da rejeição de seu plano de Brexit pelo Parlamento britânico, a primeira-ministra Theresa May convidou os líderes de todos os partidos a negociar uma nova proposta. Mas colocou como condição não manter uma união alfandegária com a UE, para garantir ao Reino Unido liberdade para negociar acordos bilaterais.
A perda de soberania representada pela TEC pode valer a pena quando a união alfandegária avança para a livre circulação não só de mercadorias, mas também de serviços, capitais e pessoas.
Só assim os países membros usufruem plenamente da integração, porque cada um pode se especializar nas atividades nas quais é mais competitivo, garantindo ao mesmo tempo o livre acesso às cadeias de valor, aos produtos, investimentos, contratos governamentais, mercados de consumo e de trabalho para sua mão-de-obra. É um ganha-ganha.
A apertada vitória do Brexit no plebiscito de 2016 foi uma rejeição a essa troca de soberania por complementaridade. Nesses dois anos e meio, os britânicos perceberam que não foi uma boa decisão, segundo as pesquisas. Mas, de qualquer forma, são duas opções claras: lançar-se sozinho, como faz o Chile, com acordos bilaterais com todo o mundo, ou em bloco.
O pior dos mundos é o que têm Brasil e Argentina: arcar com o ônus da falta de soberania sem aproveitar o bônus de uma integração efetiva. Se o destino do Mercosul não for uma união como a europeia, então ele precisa caminhar com urgência para uma área de livre comércio.
O Brasil sob o governo Lula perdeu uma oportunidade histórica ao rejeitar a Área de Livre Comércio das Américas, proposta pelos EUA. Os subsídios agrícolas americanos, apontados como obstáculo, estavam sobre a mesa para serem negociados. Mas foram usados como pretexto para preservar o protecionismo. O mesmo acontece na paralisia do Mercosul e de suas negociações com a UE.
Agora, se as mensagens do governo Bolsonaro forem consistentes, a alternativa à reforma do Mercosul seria um “Braxit”, a saída brasileira do bloco, que respondeu por 9% de nossas exportações e 7% das importações no ano passado. Não é a melhor opção. Pergunte aos britânicos.
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