Vice-presidente constitucional, Cabello assume governo e promete restituí-lo a Chávez
CARACAS – Um dia depois de serem destituídos por intervenção da cúpula das Forças Armadas, os membros do governo do presidente deposto Hugo Chávez retomaram ontem fisicamente o Palácio Miraflores e recuperaram o poder. Por volta das 22 horas locais (23 horas em Brasília), o vice-presidente deposto, Diosdado Cabello, assumiu a presidência, até o reaparecimento de Chávez. E o presidente interino Pedro Carmona renunciou.
De acordo com o ministro da Educação Superior de Chávez, Héctor Navarro, os militares leais ao presidente deposto deram um ultimato à cúpula das Forças Armadas, que o mantinha sob custódia: ou o liberavam até as 22 horas locais, ou enfrentariam ação militar. Outro ministro chavista, o da Secretaria daPresidência, Rafael Vargas, informou que Carmona, e todos os ministros e oficiais militares designados por ele, tinham sido detidos no Forte Tiuna.
Autênticas turbas de chavistas ocupavam ontem à noite o centro de Caracas, cujas ruas e calçadas estavam cobertas de pedaços de paus e lixo, espalhados em atos de depredação. Os simpatizantes do presidente deposto se postavam no meio das ruas, como que controlando o tráfego e determinando o destino de quem passava. A polícia se concentrava em alguns pontos, entre eles três canais privados de televisão cercados pelos chavistas. Dois policiais foram mortos e três viaturas da Polícia Metropolitana, depredadas. Essa polícia está subordinada ao prefeito de Caracas, Alfredo Peña, que faz oposição a Chávez.
Cabello chegou no fim da tarde ao palácio, cercado de simpatizantes de Chávez (ler ao lado). José Morado, comandante da Guarda de Honra, cujo contingente de 3 mil homens vigia o palácio presidencial, deixou o vice-presidente entrar no palácio, e declarou sua lealdade a Chávez, num comunicado transmitido pelo Canal 8 de televisão, tomado pelos chavistas. Um a um, foram chegando integrantes do governo deposto.
Enquanto isso, o presidente interino Pedro Carmona, empossado na sexta-feira com apoio da cúpula das Forças Armadas, encastelava-se no Forte Tiuna, em Caracas, onde deu posse ontem ao seu ministro da Defesa, o vice-almirante Héctor Ramírez Pérez, e reconduziu os comandantes das Forças Armadas. No tiroteio de pronunciamentos, um adjetivo permitia identificar quem estava de que lado: os chavistas ocupam cargos da República “Bolivariana” da Venezuela, enquanto os postulantes do governo interino assumiram postos na reinstaurada República da Venezuela, simplesmente.
Em meio a tantas incertezas, não se sabia ao certo nem o paradeiro de Chávez. O presidente havia sido levado, na sexta-feira, para o Forte Tiuna, mas, segundo rumores que o governo não confirmou nem desmentiu, teria sido transferido de lá na madrugada de ontem, talvez para a Base Aérea de Maracay. Carmona e o comandante do Exército, o general Efraín Vásquez, haviam dito que Chávez estava prestes a deixar a Venezuela ontem, por seu próprio desejo, e com destino não revelado. O presidente da Conferência Episcopal, monsenhor Baltasar Porras, atestou a “integridade” de Chávez.
Enquanto todos se perguntavam de que lado, afinal, estavam as Forças Armadas, a cúpula militar assumiu ontem uma atitude ambígua, deixando claro que havia imposto condições a Carmona em troca de seu respaldo e obrigado o presidente interino a um recuo.
Carmona, que, ao tomar posse, na sexta-feira, dissolveu a Assembléia Nacional e o Supremo Tribunal de Justiça, reinstalou ontem os deputados e disse que eles designariam os novos juízes, procurador-geral e defensor do povo. Mas manteve a convocação de eleições parlamentares para até dezembro e presidenciais no máximo em um ano. O presidente interino declarou, ainda, que Chávez não estava detido, mas “sob custódia das Forças Armadas”.
Em entrevista coletiva concedida em seguida, o general Efraín Vásquez citou a manutenção em funcionamento da Assembléia Nacional e do Tribunal Supremo de Justiça como condições para as Forças Armadas apoiarem o novo governo. “Isto não é um golpe”, enfatizou Vásquez. “Tivemos na Venezuela um problema de perdas humanas e o fato de que o governo nacional perdeu o controle da situação”, explicou, referindo-se aos 15 mortos e 350 feridos nas manifestações de quinta-feira, que culminaram na deposição de Chávez. “Queremos manter a democracia. Amamos a democracia”, garantiu Vásquez.