Onda de distúrbios deixa 9 mortos

Chavistas se manifestam na frente do palácio, mas polícia não reprime

 

CARACAS

A polícia venezuelana divulgou, no início da noite de ontem, um balanço provisório dos distúrbios registrados no país desde a prisão de Hugo Chávez na madrugada de sexta-feira. Nove pessoas morreram, incluindo um policial, e 48 ficaram feridas na onda de choques e saques que se espalhou 

por diversas partes do país.

À tarde, centenas de pessoas se aglomeraram na frente do Palácio Miraflores, a sede do governo venezuelano, no centro de Caracas, para protestar contra a deposição de Hugo Chávez. Ao que tudo indica, foi uma manifestação espontânea. Não havia alto-falantes, palavras de ordem ou faixas, apenas algumas bandeiras da Venezuela . A polícia se manteve distante. Nove soldados, armados com fuzis, vigiavam do teto de um edifício anexo ao palácio. “Olhe lá os franco-atiradores”, apontavam manifestantes. 

Caminhando de um lado para o outro, Yesenia Fuente exibia o rosto, com um protuberante curativo na bochecha. Ela disse que participava da manifestação de quinta-feira, do lado dos simpatizantes de Chávez – grupos pró e contra se encontraram nas imediações do palácio -, quando um militar atirou nela. A versão é interessante porque os disparos de franco-atiradores na multidão 

que protestava contra Chávez, matando 15 pessoas, foi o principal pretexto para a intervenção das Forças Armadas. 

“Somos o povo, somos pacíficos e estão nos assassinando”, gritou Edgar Mora, técnico em administração de empresas. Mora espalhou a notícia de que tinham acabado de assassinar o prefeito Frei Bernardo, do município de Libertadores, perto de Caracas. “Todos os setores apóiam nosso presidente, o comandante Chávez, que foi seqüestrado pela cúpula das Forças Armadas”, 

disse ele. 

“Se não virmos na TV Chávez renunciando, não vamos acreditar nesses senhores”, completou Lanyaired San Vicente. “Isso é golpe de Estado.” Já o comerciante Gabriel Mendoza disse que tudo o que eles pedem é um plebiscito sobre se Chávez deve sair ou ficar. “Sem um plebiscito, não ficaremos tranqüilos”, garantiu, sob a aprovação do grupo de pessoas em redor do 

jornalista brasileiro. 

Os simpatizantes de Chávez hostilizam a imprensa local, por causa da oposição dos principais veículos de comunicação ao seu governo. Na quinta-feira, Chávez chegou a fechar as quatro maiores emissoras de TV privadas, que cobriam a manifestação contra ele. Em contrapartida, a 

imprensa local dá pouca ou nenhuma cobertura aos protestos e saques.

Um manifestante se aproximou do jornalista brasileiro batendo nervosamente dois pedaços de pau. “Isso aqui é um ato pacífico”, repreendeu Lanyaired. Ela disse que seu marido e familiares são militares, e eles estão “chorando de raiva e de decepção, porque não podem fazer nada” diante da decisão da cúpula das Forças Armadas de depor Chávez. 

Argenis Albino, de 22 anos, estudante de antropologia na Universidade Central da Venezuela, compara a situação com o que ocorreu no Brasil: “Fernando Collor foi afastado de acordo com a Constituição, e por tê-la violado. Aqui, está acontecendo o contrário. Violaram a Constituição para 

tirar o presidente.” 

“Aqui vai haver uma explosão social se não se revela onde está Chávez”, advertiu o estudante de artes Humberto Rangel, referindo-se às notícias desencontradas sobre o paradeiro do ex-presidente. “Não aceitaremos a imposição do poder econômico e dos militares corruptos”, esbravejou o 

professor de pedagogia José Hill.

A manifestação ocupou as duas pistas da Avenida Urdaneta, uma das principais do centro de Caracas. Outras avenidas e ruas importantes também foram fechadas, depois que manifestantes ergueram barricadas com madeiras e pneus em chamas. 

Na noite de sexta-feira, a rodovia que liga o Aeroporto Juan Santa María a Caracas já havia sido interditada por simpatizantes de Hugo Chávez que moram nas favelas das encostas dos morros que circundam a cidade. Uma fila de carros de vários quilômetros se formou na chamada Autopista, 

impedidos de passar pelas barricadas, pedradas e até disparos vindos dos morros. 

Sentados ou deitados no chão, ou perambulando pelo aeroporto, centenas de pessoas que desembarcaram desde o início da noite tiveram de esperar a noite toda para poder seguir para suas casas e hotéis. A Autopista só foi liberada na madrugada de ontem. 

 

“Começou a guerra”, anunciou o motorista de táxi Carlos Alberto Aguilera, enquanto levava o repórter do Estado para um hotel no balneário de Puerto Viejo, ao lado do aeroporto. “Os ricos fizeram a parte deles. Puseram fogo no pavio. Agora é a nossa vez. Vamos defender Chávez até a morte.”

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