O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva era criticado por colocar a afinidade ideológica acima dos interesses brasileiros na condução de sua política externa. A crítica era pertinente. Pelo que se viu na visita do presidente Jair Bolsonaro aos Estados Unidos, a política externa corre o risco mais uma vez de sacrificar o interesse nacional em nome da ideologia — apenas com o sinal trocado.
No campo comercial, Bolsonaro trocou concessões concretas por promessas vagas. Na geopolítica, não foi suficientemente firme na oposição a uma intervenção militar na Venezuela, e ainda foi prejudicado pela incontinência verbal de seu filho Eduardo.
Bolsonaro cedeu em uma reivindicação dos EUA que remonta aos anos 90: que o Brasil abra seu mercado ao trigo americano. Acordo anunciado pelos dois governos prevê a compra de 750 mil toneladas por ano de trigo livre da tarifa de 10% aplicada a importações do cereal de fora do Mercosul.
Em troca, os americanos ficaram de enviar uma equipe técnica para avaliar as condições sanitárias da carne bovina brasileira. O Brasil prometeu algo semelhante em relação à carne suína americana. Teria ficado de bom tamanho. A abertura para o trigo saiu de graça.
Depois do anúncio da concessão aos EUA, que diminuirá a importação do trigo argentino, o governo em Buenos Aires informou sua disposição de bloquear a tarifa zero para o açúcar — reivindicada pelo governo brasileiro.
O Brasil também cedeu seu status de país em desenvolvimento, que lhe permite usufruir de tarifas de importação mais baixas para seus produtos, por meio do Sistema Geral de Preferências da OMC. Em troca, obteve o aval do presidente Donald Trump à entrada do país na Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Países da OCDE atraem mais investimentos que outros, porque cumprem padrões que criam um melhor ambiente de negócios. De maneira que o que torna esses países atraentes não é o fato de estarem na OCDE, mas de cumprirem esses padrões. Há aí uma gigantesca tarefa de casa.
No afã de agradar Trump, Bolsonaro afirmou que “a maioria dos imigrantes não tem boas intenções”, esquecendo-se de que é presidente de um país que tem 3 milhões de cidadãos morando fora. Seu filho, Eduardo, já havia qualificado de “uma vergonha” os brasileiros que vivem ilegalmente no exterior.
Um dos objetivos de Trump ao receber Bolsonaro era induzi-lo a apoiar uma intervenção militar na Venezuela. O presidente brasileiro havia deixado clara sua oposição — em sintonia com os outros países da região —, até mesmo quando recebeu o presidente interino proclamado pela Assembleia Nacional, Juan Guaidó, em Brasília.
Entretanto, em um evento com empresários americanos em Washington, ele disse: “Temos alguns assuntos que estamos trabalhando em conjunto, reconhecendo a capacidade econômica, bélica, entre outras, dos Estados Unidos. A Venezuela não pode continuar da maneira como se encontra. Aquele povo tem que ser libertado e contamos com o apoio dos EUA para que esse objetivo seja alcançado”.
Em entrevista ao jornal chileno La Tercera, seu filho Eduardo voltou a atacar: “Ninguém quer uma guerra, a guerra é ruim, há muitas vidas perdidas, há consequências colaterais, mas (Nicolás) Maduro não vai deixar o poder de forma pacífica. De alguma forma, será necessário usar a força, porque Maduro é um criminoso”. Bolsonaro teve mais tarde de desautorizá-lo: “Tem gente divagando, tem gente sonhando. Da nossa parte, não existe essa possibilidade”, disse o presidente em Santiago, depois de participar da cerimônia de criação do Prosul, bloco sul-americano destinado a substituir a Unasul, de inspiração esquerdista.
Nem a credibilidade da ameaça de ação militar nem a liderança do Brasil na região ganham com essa falta de clareza.
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