Brasil tem de pagar preço da liderança, diz Batlle

Em entrevista exclusiva ao ‘Estado’, presidente eleito do Uruguai fala do papel do País no Mercosul

 

MONTEVIDÉU – O Brasil terá de pagar o preço da liderança para evitar o fracasso do Mercosul. A advertência é do presidente eleito do Uruguai, Jorge Batlle. Em entrevista exclusiva ao Estado, Batlle declarou-se comprometido com o processo de integração e enfatizou a necessidade urgente de criar instituições de solução de controvérsia no Mercosul para evitar que, a cada crise, os presidentes tenham de mobilizar-se para superá-las.

“Fui eu que, como deputado, incorporei na Constituição uruguaia, em 1965, os artigos que prevêem a união do Uruguai com os restantes países vizinhos como objetivo nacional”, lembrou o presidente eleito no domingo pelo Partido Colorado. “Portanto, é clara minha concepção filosófica quanto a esse ponto.”

Entretanto, na análise de Batlle, o processo de consolidação institucional do Mercosul acabou “marginalizado pela realidade do Plano Real, que significou grande inundação de poder aquisitivo e possibilitou o crescimento comercial intrazona”. Batlle prosseguiu: “Até que, no dia 13 de janeiro, com a desvalorização do real, bateram fortemente na nossa porta, comunicando: ‘a realidade não é essa.'”

A partir daí, disse Batlle, “veio a crise, ou a oportunidade, que, em chinês querem dizer a mesma coisa”. Na opinião do presidente eleito, para converter a crise em oportunidade e evitar que a integração fracasse, “serão necessários instrumentos institucionais, seja como for o processo posterior”. Ele argumentou: “Mesmo que se levem em consideração, ao mesmo tempo, outros processos de integração (como no âmbito do Acordo de Livre Comércio das Américas e a associação com a União Européia), temos de robustecer o Mercosul.”

Para Batlle, que visitará o Brasil antes de sua posse em 1º de março, “é uma realidade determinante que o país-líder seja o Brasil, que representa 70% do PIB do Mercosul e oferece o seu maior mercado”. Nessa condição, “recaem sobre ele as maiores obrigações”, observou o presidente eleito. “Temos de concentrar todos os esforços para tornar realidade a zona de livre comércio e uma união aduaneira aberta, não fechada como a Europa, que substituiu o protecionismo nacional pelo regional.”

Batlle defendeu o avanço simultâneo em relação à Organização Mundial do Comércio (OMC), à Alca e à União Européia. O presidente eleito disse que não é otimista quanto à OMC, mas “realista”, diante da posição dos países europeus, sobretudo a França, de manter o protecionismo agrícola. “Por isso, temos de buscar outros caminhos, como a Alca e a Ásia.”

“Todos sabemos que o setor industrial, representado pela Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), tem imposto resistência, no Brasil, à incorporação à Alca”, ponderou o presidente eleito. “Mas tenho a impressão de que esse é um processo ao qual vamos chegar com seguranças necessárias para não ter de desmantelar nenhum setor industrial e não creio que, num país da magnitude do Brasil, a indústria possa tornar-se um obstáculo à realidade da integração.”

Batlle, que foi proprietário de fazenda no Rio Grande do Sul, acrescentou:

“Quanto mais depressa o Brasil crescer, melhor para o Uruguai, porque necessitamos de um sócio rico que queira comprar bom arroz, bom leite e boa carne das regiões onde sopra o (vento) Minuano.”

Definindo-se como “um liberal antigo, não um neoliberal”, o presidente eleito disse que o Uruguai não necessita de reformas fiscais nem de privatização.

“Conduzimos nossa realidade econômica e administrativa por outras vias”, disse ele, enumerando o tripé dessa política: “A área externa, à qual já me referi, o modelo neozelandês de produção de bens alimentícios, que o Uruguai pode dobrar, e a educação.”

“Em 1985, exportamos US$ 800 milhões e em 1998, US$ 2,7 bilhões”, lembrou Batlle. “Temos de duplicar essa cifra em menos de dez anos.” Some-se a isso um crescimento demográfico “quase nulo”, expectativa de vida de 72 anos, apenas 6% da população abaixo da linha de pobreza, 2% de indigentes e 67% das famílias com casa própria.

“A qualidade de vida em geral é boa, mas pode melhorar. Vamos desenvolver a educação, partindo de uma base já boa”, completou Batlle. “Precisamos quadruplicar o número de computadores nas escolas, que hoje têm 5 mil, ampliar a educação básica, técnica e administrativa e melhorar o ensino superior.”

O Uruguai, disse o presidente, “é um grande exportador de software e tem boa capacidade instalada para abrir oportunidades para os jovens”. E concluiu: “Esse tripé, mais a estabilidade e a confiabilidade de uma economia séria e a boa localização geográfica, vai dar o ‘plus’ de que o Uruguai precisa.”

Batlle descartou a possibilidade de o líder da Frente Ampla, Tabaré Vázquez, derrotado no segundo turno, no domingo, participar de seu futuro governo. Mas declarou-se “otimista” quanto ao relacionamento com a Frente Ampla, de centro-esquerda, que formou a maior bancada no Parlamento, ao obter 39% dos votos, nas eleições do dia 31. Vázquez deu sinais de que seu grupo não adotará oposição automática ao governo.

 

A coalizão entre o Partido Colorado e o Nacional (ou Blanco), que apoiou Batlle no segundo turno, necessitará da concordância de congressistas da Frente Ampla para aprovar reformas constitucionais e nomes de dirigentes das estatais, que requerem maioria qualificada de dois terços.

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