A reunião de cúpula do Mercosul, realizada na quarta e na quinta-feira em Bento Gonçalves, marcou a maior encruzilhada do bloco em seus 25 anos de história.
Ela encerrou a presidência de turno do Brasil, que ao longo de um semestre foi caracterizada pela abertura do bloco para negociações com novos parceiros e a tentativa de reformar suas regras exatamente para facilitar essa integração do Mercosul com as cadeias produtivas do restante do mundo.
Em contrapartida, uma sombra paira sobre o bloco: a entrada em cena do novo governo argentino, formado pela dupla Alberto Fernández e Cristina Kirchner. O futuro presidente e sua vice, assim como membros de sua equipe, têm feito declarações hostis, tanto ao governo brasileiro quanto ao acordo com a União Europeia e, em última análise, contra os próprios fundamentos do livre comércio.
A Argentina, assim como o Brasil, já teve governos manifestamente protecionistas, sem que isso representasse uma ameaça ao Mercosul. Ao contrário. Os protecionismos dos dois países, aí incluídos os seus setores industriais, retro-alimentavam-se para justificar a falta de uma liberalização efetiva, tanto dentro do bloco quanto fora dele.
A dinâmica oposta se instaurou a partir da chegada do presidente Jair Bolsonaro ao poder, e em especial da equipe econômica do ministro Paulo Guedes. Esse grupo encontrou no presidente argentino, Mauricio Macri, um parceiro ansioso por mudanças no Mercosul, para introduzir uma real exposição da indústria do Cone Sul à concorrência mundial.
Foi assim que se chegou ao acordo de princípios com a União Europeia. No último semestre, dando continuidade aos esforços da presidência de turno argentina, que ocupou os primeiros seis meses do ano, tiveram continuidade negociações de acordos de livre comércio com o Canadá, a Coreia do Sul e Singapura.
Além disso, foi realizada a primeira rodada de negociações com o Líbano, discutida a ampliação dos acordos com Israel e a Índia, e iniciada uma aproximação com a Indonésia e o Vietnã. O Japão também está no radar.
Continuaram as tratativas com a Aliança do Pacífico para cooperação regulatória, facilitação de investimentos e do comércio. Foram lançadas, ainda, sondagens individuais com países da América Central.
Reivindicações antigas dos exportadores do bloco para facilitar as transações também foram atendidas. De acordo com o comunicado final, foram realizadas, nesse semestre, 248 reuniões, 73 delas por videoconferência, para economizar recursos.
Tudo isso foi amarrado no apagar das luzes do governo Macri. Fernández e Kirchner tomam posse nessa terça-feira. Em entrevista publicada há uma semana no jornal Valor, o chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, admitiu a possibilidade de uma ruptura do Mercosul, se o futuro governo argentino mantiver a atitude contrária aos “postulados básicos” do bloco. Araújo fez questão de frisar que o rompimento não é desejo do Brasil.
Mas o Mercosul não conta com grande simpatia de Guedes, que expressou sua impaciência com o bloco já no dia da vitória de Bolsonaro no segundo turno, em 29 de outubro do ano passado. Ao mesmo tempo em que o bloco é muito importante como destino das exportações da indústria brasileira, pode funcionar também potencialmente como obstáculo à integração do Brasil ao mundo, por causa do entrave representado pela Tarifa Externa Comum.
O Brasil tem grandes dilemas pela frente nessa área comercial, como mostra a ameaça do presidente Donald Trump no início da semana de sobretaxar o aço e o alumínio brasileiros. As pressões só tendem a crescer para o Brasil impedir o acesso da chinesa Huawei aos contratos da frequência 5G, cujos leilões não poderão ser adiados indefinidamente.
É melhor a Argentina não esticar essa corda.
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