Alta classe simpatiza com Bin Laden

Juízes e advogados criticam EUA por não apresentarem provas contra saudita

PESHAWAR, Paquistão – Enquanto os manifestantes se juntam numa das principais ruas comerciais de Peshawar, reduto fundamentalista no noroeste do Paquistão, no topo de um edifício de três andares, juízes da Alta Corte da Província da Fronteira Noroeste e outros advogados explicam as causas da ira dos paquistaneses e afegãos. “Somos contra o terrorismo, mas em todo o mundo, não só na América”, diz o juiz Niaz Ari Shah. “Enquanto a América sustentar regimes fantoches, será alvo o terrorismo.”

“Já viajei uma dezena de vezes aos Estados Unidos e à Europa, conheço e aprecio a democracia deles. Mas eles não promovem os mesmos princípios noutros países do mundo”, continua Ari Shah. Quando os empregados se preparavam para servir o chá no terraço que dá para a avenida do protesto, um barulho metálico causa sobressalto e todos correm para ver o que acontece lá embaixo. São os lojistas que baixam as portas de aço, diante da torrente de manifestantes que vem de várias mesquitas, depois da pregação das 13h30.

Agora já são milhares, trazendo bandeiras e faixas de diversos agrupamentos fundamentalistas. Os adereços incluem dois bonecos de pano representando George W. Bush, um deles com chifres, e um cartaz com um cachorro com a cara do presidente americano. “A América é um cão”, grita a multidão. Os bonecos são depois malhados como um Judas e queimados. “Osama é nosso irmão, Osama é um herói”, prossegue o coro.

“América terrorista.” O orador diz que os muçulmanos lutarão até destruir os EUA. No meio da multidão destacam-se vários grupos menores, como adolescentes de roupas negras – estudantes de uma madrassa (escola religiosa) – que prometem fazer a jihad, a guerra santa, contra os Estados Unidos.

“Osama bin Laden viverá para sempre” é uma das últimas mensagens antes de a polícia cortar a eletricidade do equipamento de som do palanque. A manifestação assume um caráter mais localizado, com cada grupo gritando suas palavras de ordem. A polícia desaparece. Apenas um policial de longa barba branca – uma marca dos fundamentalistas -, levando um bastão de madeira, atreve-se a caminhar no meio da multidão.

Chega a informação de que todas as vias de acesso a Peshawar estão fechadas – as cerca de 5 mil pessoas no protesto são moradores locais da cidade de 1 milhão de habitantes. Meia hora depois da interrupção, os organizadores instalam um gerador e os discursos recomeçam. A maioria dos manifestantes se senta na rua, como se estivesse na mesquita. E o conteúdo da pregação de fato não difere substancialmente. Na pregação do início da tarde, o mulá da Mesquita Sadar lembrava Hiroshima e Nagasaki, para constatar: “Os americanos consideram sua missão matar os outros.” No terraço, os convidados voltam a sentar-se em torno da mesa para discutir a situação. “Você viu o suíço que matou 14 pessoas (na quinta-feira)?”, pergunta Rangin Khan, também juiz da Alta Corte. “Se fosse na América, teriam dito que foi Osama. Se a América quer Osama, tem de apresentar provas materiais de seu envolvimento. Logo depois do ataque, eles começaram a dizer que tinha sido ele. Como eles poderiam saber desde o primeiro dia?” Os EUA têm muitos inimigos, enumera Ari Shah: “No Japão, na Caxemira, na Palestina, na Bósnia” há grupos que poderiam ter realizado o atentado. Na opinião do juiz Ari Shah, se os EUA apresentassem provas contra Bin Laden, ele deveria ser condenado à morte.

Mas nenhum dos sete advogados paquistaneses ali reunidos acredita no envolvimento do milionário saudita radicado no Afeganistão. Indagado se ele não poderia ter ao menos inspirado os atentados, Ari Shah dá o seguinte testemunho: “Eu sou inspirado por Osama contra a crueldade, a injustiça, a violência, a ditadura e o terror.”

As referências à ditadura parecem ter um alvo certeiro: o presidente do Paquistão, general Pervez Musharraf, que chegou ao poder por meio de um golpe, em outubro de 1999, e agora é aliado dos EUA na guerra contra o terrorismo. Nessa região de fronteira com o Afeganistão, habitada majoritariamente pela etnia pashto, assim como o país vizinho, a decisão de Musharraf de apoiar os EUA contra o regime afegão desagradou profundamente a população – e não só os fundamentalistas islâmicos. “Há 5 mil anos sou afegão, há 1.300 anos sou muçulmano, e há 50 anos, paquistanês”, justifica Niaz Ari Shah. 

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados. 

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