Vitória de Dmitri Medvedev com mais de 70% dos votos permite a líder russo continuar no poder como premiê
MOSCOU – A maioria dos eleitores russos ratificou ontem o plano do presidente Vladimir Putin, de continuar no poder, ainda que formalmente noutro cargo. O vice-primeiro-ministro Dmitri Medvedev venceu a eleição presidencial com 67,7% dos votos, dispensando o segundo turno. Conforme anunciado previamente pelo próprio Putin, cuja popularidade supera 70%, Medvedev o nomeará primeiro-ministro, função que se deslocará para o centro do poder na Rússia. Eleito em 2000 e reeleito em 2004, Putin não podia mais, pela lei, candidatar-se a presidente.
Às 23h em Moscou (17h em Brasília), Putin e Medvedev subiram ao palco do concerto que se realizava na Praça Vermelha para celebrar a vitória. “Seguiremos o rumo estabelecido pelo presidente Putin”, disse Medvedev, repetindo o mote de sua campanha: “Juntos, venceremos.” Putin agradeceu a todos os que compareceram às urnas e interpretou: “Significa que vivemos numa sociedade democrática, com a participação da sociedade civil”, numa aparente resposta às críticas de que o Kremlin suprimiu essa participação, assim como a oposição e a imprensa independente.
Mais tarde, à 1h da manhã de hoje, Medvedev concedeu uma breve entrevista coletiva, na qual considerou “sem precedentes” o comparecimento de dois terços dos eleitores inscritos. “É uma prova de que o povo não está indiferente ao futuro de nosso país”, disse ele. Medvedev garantiu que a divisão entre as funções de presidente e de primeiro-ministro continuará obedecendo às leis: “Ninguém pretende mudá-las.” Seguindo essa divisão, o presidente eleito, que toma posse dentro de dois meses, afirmou que a política externa caberá a ele, que sua prioridade serão os países vizinhos e sua primeira viagem internacional o levará a um país da Comunidade de Estados Independentes, que reúne as ex-repúblicas soviéticas.
Apesar da previsibilidade do resultado, chamou a atenção a votação obtida pelo candidato comunista, Gennady Zyuganov, que teve 18,7% dos votos, e pelo ultranacionalista Vladimir Zhirinovsky, que recebeu 10,9%. “Este é obviamente um voto de protesto”, disse ontem à noite Alexei Levinson, do instituto de pesquisas independente Levada Center. “Essa é uma mudança importante na política russa. O Partido Comunista não pode ser mais considerado uma força obsoleta.” O candidato liberal Andrei Bogdanov ficou com 1,4%.
Na eleição parlamentar de dezembro, o partido Rússia Unida, de Putin, obteve a maioria absoluta, com 64% dos votos para a Duma, a Câmara de Deputados; o Partido Comunista veio em segundo lugar, com 12%. Pesquisa do Levada previa que Medvedev obteria 80% dos votos; Zyuganov, 11%, e Zhirinovsky, 9%, em números arredondados. Ambos os candidatos de oposição, no entanto, não ficaram satisfeitos. Assim que a contagem de votos começou, no início da noite, Zyuganov e Zhirinovsky anunciaram que entrariam com ações na Justiça denunciando fraude nas eleições.
“Nunca vimos esse tipo de atrevimento antes, tanta cédula sendo enfiada nas urnas”, disse o secretário do Comitê Central do Partido Comunista, Valery Rashkin. Segundo ele, o partido observou irregularidades em muitas cidades, incluindo São Petersburgo, a segunda do país e terra natal tanto de Putin quanto de Medvedev. Muitos funcionários públicos disseram ter sido pressionados por seus chefes a votar em Medvedev.
A maioria dos russos deseja a continuidade das políticas adotadas pelo presidente Putin, que resultaram num crescimento médio de 6,7% desde 2000 e numa queda contínua do desemprego, que chegou a 5,8% em janeiro. A renda média das famílias tem aumentado 10% ao ano, alcançando US$ 567. A fatia dos russos abaixo da linha da pobreza diminuiu de 30% para 10%, alimentando um boom na economia que, segundo os especialistas, já não é mais impulsionado apenas pelo alto preço do petróleo, do qual a Rússia é grande produtora e exportadora, mas pela demanda interna e pelos investimentos em bens de capital, que aumentaram 21% no ano passado. Talvez ainda mais importante, Putin tem mantido o país estável, depois do caos dos anos 90.
“Pela primeira vez a Rússia está tendo uma sucessão civilizada”, festejou Sergei Kasantsev, de 48 anos, dono de uma faculdade privada e eleitor de Medvedev. “Antes, o novo presidente chegava criticando as políticas de seu antecessor e perseguindo quem estava antes no governo.” Essa visão está longe de ser unânime, como mostra a própria mulher de Kasantsev, Larissa, de 46 anos. “Não gosto do fato de um candidato ser levado pelo outro. Medvedev foi imposto por Putin. Zyuganov é herdeiro dos comunistas. Zhirinovsky não é muito normal. Não temos escolha.”
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