Tanto em países desenvolvidos como emergentes, instituições se flexibilizam para atender a demandas locais
O governo Lula investiu na expansão das universidades federais. Elas têm prestado grandes serviços ao País. Mas estão longe de ser a única forma – e mesmo a melhor, segundo os críticos – de ensinar e produzir conhecimento.
As universidades públicas no Brasil estão fundadas na ‘indissociabilidade de ensino, pesquisa e extensão’, instituída por uma reforma de 1968. O modelo justifica a contratação dos professores em regime de dedicação exclusiva (80% nas federais, ante 14% nas particulares). Significa dois terços a mais de salário, que está na casa dos R$ 5 mil a R$ 6 mil, para doutores. Eles dão uma média de 12 a 16 horas de aula por semana. O resto do tempo, supostamente, deveriam dedicar a pesquisa e a extensão.
São funcionários de carreira, que gozam de estabilidade. O Estado se compromete com eles para o resto da vida – e isso é literal, já que o Ministério da Educação paga aposentadorias integrais. Num mundo em que o conhecimento evolui aceleradamente, profissões desaparecem e dão lugar a novas, a globalização sepulta setores da economia e faz surgir outros, as universidades federais não podem buscar no mercado profissionais que respondam às necessidades de competitividade.
As universidades federais só têm autonomia sobre temas pedagógicos. Quem decide quando e quantos professores e servidores contratar, quantos recursos enviar para cada uma das agora 59 instituições federais, são os Ministérios da Educação e do Planejamento – freqüentemente atendendo não às demandas locais, mas a diretrizes traçadas em Brasília e à necessidade de agradar políticos.
Profissionais testados pelo mercado, que poderiam não só ensinar o que há de mais atualizado, mas também transmitir experiência prática, existem, em minoria, nas universidades, e não são valorizados, porque o principal critério de avaliação é a publicação de papers. A ‘indissociabilidade’ dissocia a universidade do mercado ao priorizar professores de carreira, a maioria estudantes profissionais que nunca deixaram a escola.
O pior é que o resultado em produção científica também não é brilhante. Claro que há centros de excelência, que têm dado grandes contribuições em muitas áreas do saber. Mas, no seu conjunto, e considerando o investimento, a produção é pífia. De cada 100 papers produzidos no mundo, 2 são do Brasil. Desses, um vem das universidades estaduais paulistas. As federais e privadas produzem o outro. Para não falar de patentes, algo raríssimo. Das 2.013 instituições de ensino superior no Brasil, no máximo 20 são de fato ‘universidades de pesquisa’, estimam os especialistas.
Nos Estados Unidos, disparado o país com a maior proporção de jovens que chegam ao ensino superior no mundo (62%, ante 38% na França e 11% no Brasil), também há cerca de 20 universidades de pesquisa de ponta, de um universo de 12 mil instituições. O problema é querer fazer de conta que todas as universidades são iguais, nivelando por cima suas estruturas, custos e salários. ‘Nenhum país do mundo tentou isso’, diz a secretária de Ciência e Tecnologia de São Paulo, Maria Helena Guimarães de Castro. ‘Não se pode resumir ensino superior a universidade de pesquisa’, analisa Eunice Durham, do Núcleo de Pesquisas de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo (USP). ‘É impossível, caro demais e indesejável.’
‘Vamos mentir por quanto tempo para a Universidade do Amapá que ela é de pesquisa?’, pergunta Abílio Baeta Neves, cientista político da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. ‘Ela vai querer ser uma universidade grande, com 200 programas de pós.’ Isso se aplica às 11 federais mineiras ou às 4 gaúchas: ‘Serão todas UFMGs e UFRGSs?’, questiona. ‘Alguém tem tanto dinheiro para gastar? Não sei se não é mais útil nesses locais uma universidade que faça boa formação de recursos humanos.’
O modelo causa distorções como as detectadas pelo relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômicos divulgado dia 12. O governo brasileiro gasta 12 vezes mais com cada aluno de universidade do que do ensino fundamental, quando a média da OCDE é de apenas 2 vezes.
Dispendiosas, as universidades federais atendem a poucos, em geral à classe média e alta, e deixam para as particulares a tarefa de formar o grosso – 72% – dos jovens. ‘A universidade única é um modelo elitista’, diz Maria Helena. ‘É preciso democratizar o acesso. Se o aluno quer fazer um curso focado no trabalho, deve ter essa chance.’
A pesquisadora Elizabeth Balbachevsky, da USP, resume: ‘O grande dilema do ensino superior mundial é como atender a uma demanda crescente e preservar um mínimo de qualidade; formar uma elite científica e uma mão-de-obra competitiva. No Brasil, a universidade pública se preservou da massificação.’ No mundo, a tendência é flexibilizar o sistema, com várias modalidades de instituições e formatos de cursos, para atender a cada vez mais jovens.
Não é o que deseja a corporação. ‘Falar de universidade é necessariamente falar de pesquisa e de pós-graduação’, defende Paulo Speller, presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior. ‘A indissociabilidade é importante, porque garante um padrão de qualidade em todas as regiões’, diz Paulo Rizzo, presidente do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior. ‘A universidade pública não tem de competir com a privada, mas dar condições para o professor trabalhar.’