Flagelo da aids substituiu a segregação

JOHANNESBURG – Não fomos nós que os encontramos. Foram eles que nos encontraram. “Vocês são da imprensa?”, perguntou Nonhlanhla Theodora Sigasa, olhando para o meu bloco de anotações e o equipamento do fotógrafo Dida Sampaio. Ela caminhava com seu amigo Mlungisi William Milhembu pela área de um teatro abandonado, onde estavam acampados sem-terra do mundo todo, inclusive dois do Brasil, durante a Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável. Nonhlanhla e Mlungisi, ambos de 21 anos, ambos infectados com o vírus HIV, distribuíam panfletos sobre prevenção contra a aids. E queriam divulgar sua causa.

Nonhlanhla tinha 13 anos quando começou a ser abusada por seu primo, de 25. Isso durou três anos. Em 1999, quando ela já tinha 18, ele voltou a assediá-la, mas ela resistiu. “Não importa. Eu já estava infectado naquela época”, zombou o primo. Nonhlanhla foi fazer o exame e descobriu que ele não estava brincando. Parou de estudar e se entregou à depressão. “Quando fiquei sabendo, senti que o mundo tinha acabado para mim”, diz ela, ao lado de seu amigo Mlungisi, que conta ter sido infectado por uma namorada.

O flagelo da aids atingiu em cheio a África do Sul – alguns dizem que ele veio substituir o apartheid. Um em cada quatro sul-africanos de 15 a 49 anos de idade está infectado pelo vírus. No total, são cerca de 5 milhões. Muitos sul-africanos ainda não conhecem ou se recusam a usar preservativos, numa sociedade de intensa promiscuidade sexual. Um componente da alta criminalidade na África do Sul são os freqüentes casos de estupro, muitas vezes por homens infectados. Há um mito, entre os mais ignorantes, de que uma relação com uma virgem os curaria.

Até o fim do ano passado, o governo de Thabo Mbeki mantinha uma posição tímida em relação ao problema. O presidente chegou a afirmar que as drogas anti-retrovirais, amplamente usadas no mundo, poderiam ter efeitos colaterais tão graves quanto a doença. Os médicos de hospitais públicos não tinham permissão para prescrever essas drogas e algumas instituições de caridade contrabandeavam do Brasil a versão genérica do medicamento.

Em abril, o governo instituiu novas diretrizes, respaldando o uso das drogas anti-retrovirais. Nos hospitais públicos, elas passaram a ser dadas a bebês que nascem infectados. Mlungisi e Nonhlanhla não têm acesso a essas drogas, que continuam muito caras. Mas recebem comprimidos de vitaminas B e C e orientações sobre a alimentação, em clínicas públicas. E se dedicam a distribuir o remédio mais eficaz contra a aids, e mais escasso na África do Sul: a informação.

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