Clima de alívio dá o tom hoje na posse de Toledo

No fundo do poço, peruanos estão convictos de que situação só pode melhorar

 

CALLAO, Peru — O ex-líder máximo do Sendero Luminoso, Abimael Guzmán, está deitado na cama ao lado do ex-chefe do Serviço de Inteligência Nacional, Vladimiro Montesinos. “Escuta, você não está filmando isso, está?”, alarma-se o ex-terrorista. “Não, imagina!”, tranqüiliza a ex-eminência parda do regime, enquanto amassa a ponta do cigarro no cinzeiro sobre o criado-mudo. Intitulada Amores Carcerários, a charge da revista Monos y Monadas, o equivalente peruano da Casseta Popular, resume o bizarro desfecho da chamada “era Fujimori”.

O presídio da Base Naval de Callao, município ao noroeste da Grande Lima, que Montesinos mandou construir em 1993 para guardar os troféus de sua luta contra o terrorismo – três ex-líderes do Sendero e outros três do Movimento Revolucionário Túpac Amaru (MRTA) -, fechou com notável ironia o círculo da história peruana recente ao receber, este mês, o ex-chefe do serviço secreto, acusado de corrupção e abuso de poder, com base em vídeos de suas conversas com congressistas, juízes e empresários, que ele mesmo gravou.

“É justo que Montesinos esteja lá”, julga o piloto de lancha Eduardo Pescorán, de 29 anos, enquanto joga baralho na Praça Miguel Grau (herói da Marinha), no centro de Callao. “Ele é igual aos terroristas.” Raúl Huambachano, 42 anos, que vive de biscates, arremata: “É preciso condecorar Montesinos, porque ele revelou que a classe política é pura podridão. Essa é a miséria peruana.” Pescorán completa: “Agora, precisa trazer Fujimori.”

É em meio à amargura mais profunda dos peruanos, depois de dez anos de um governo que se vendeu como eficiente e moderno, mas se acabou desnudando como mafioso e bárbaro, trocou a hiperinflação pela recessão e o terrorismo pela autocracia, que Alejandro Toledo assume hoje a presidência do Peru.

Nos últimos dias, Lima se coloriu de uma atmosfera festiva, sugerindo que os peruanos sentem que têm algo a comemorar, no 180.º aniversário da independência do país, que coincide com a data da posse do presidente. E têm. Cinco meses depois de eleito presidente pela terceira vez consecutiva, numa votação coberta pela suspeita de fraude, Alberto Fujimori aceitou deixar o governo, refugiando-se no Japão, sem que se derramasse sangue, diante das evidências cabais de formação de quadrilha contidas nos “vladivídeos”. Seguiram-se um governo de transição inatacável e um processo eleitoral incontestável.

Como prelúdio das festas da independência e da posse, pequenas paradas de bandas de música e estudantes com trajes folclóricos tomaram as ruas do centro histórico de Lima nos últimos dois dias.

 

Mas é difícil medir o que é alegria e esperança genuínas e o que é cansaço e alívio, pela convicção de que se chegou ao fundo do poço e agora só pode melhorar. O moral, as instituições e a economia do país foram alvo de uma operação de terra arrasada. Mas o ímpeto da reconstrução anima muitos peruanos.

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