Identificados com a ordem anterior, derrotada a partir da destituição do presidente Raúl Cubas e do exílio do general Lino Oviedo, brasileiros que moram na fronteira são agora perseguidos
ASSUNÇÃO – Os problemas que os brasileiros enfrentam no Departamento de Alto Paraná, no Paraguai, são um eco da alternância de comando, em todas as esferas do poder político e econômico, desencadeada pelo assassinato do vice-presidente Luís María Argaña, em março. Como sempre ocorre nas cíclicas reviravoltas paraguaias, o grupo que ascendeu ao poder partiu para a ocupação do espaço vital e a supressão dos “inimigos” – por definição, os que detinham antes o poder. A “limpeza” chegou, dessa vez, à sensível região fronteiriça, onde os brasileiros são maioria e nunca haviam sido molestados, graças a arranjos sucessivos com os novos chefes colorados.
Quarenta quilômetros de terra separam a cidade de San Alberto, onde o prefeito brasileiro Romildo Maia é acossado por ferrenha resistência armada por paraguaios, e a localidade de Porto Índio, de onde cerca de 30 pequenos proprietários de terras brasileiros fugiram nos últimos dias. Entretanto, as duas situações são apenas as versões urbana e rural do mesmo problema: a identificação dos “brasiguaios” com a ordem anterior, demolida a partir da destituição do presidente Raúl Cubas Grau e do exílio do general da reserva Lino Cesar Oviedo, acusados de terem mandado matar Argaña. A identificação é problemática, porque Oviedo dizia a “campesinos” e a brasiguaios o que cada grupo queria ouvir. Mas há um esforço em incluir os brasiguaios na rota dos expurgos.
Vereadores que lideram, desde o início do mês passado, o movimento para depor o prefeito Romildo Maia prometeram a “campesinos” supostamente sem-terra de Porto Índio que, se ajudassem a derrubá-lo, expulsariam os brasileiros das melhores terras da localidade e os colocariam no lugar. Durante as duas primeiras semanas do movimento, postaram-se, em San Alberto, de um lado, 2.500 brasileiros armados e, de outro, mil campesinos. “Tememos uma explosão de violência”, diz irmã Zenaide, da Pastoral dos Migrantes de Foz do Iguaçu.
Quarta-feira, cumprindo mandado judicial, 30 homens da Polícia Nacional desbloquearam a prefeitura, cuja entrada fora lacrada com corrente e cadeado pelos manifestantes, e dispersaram a multidão. O fiscal Carlos Arce Obregón, do Tribunal de Contas, recolheu papéis para apurar as denúncias de desvios de verbas. Vitorioso, o vereador Joseleno Vera exibiu ao Estado uma carta assinada pelo presidente Luis Ángel González Macchi e endereçada à Câmara dos Deputados, endossando o pedido dos vereadores de intervenção em San Alberto.
O prefeito Romildo Maia é acusado de favorecer brasileiros – 90% da população de San Alberto – na contratação de serviços e compra de materiais. “Racista é ele, que só sabe ajudar brasileiros”, diz o presidente da Câmara, Edgard Mairana Royg, casado com uma catarinense, há 30 anos no Paraguai.
A grande acusação política contra Romildo é a de ter apoiado o general Oviedo. Freqüentemente, a acusação vem acompanhada de outra – envolvimento no contrabando, que move a economia fronteiriça. O esquema “foi controlado por Oviedo, quando era comandante das Forças Armadas” nos governos Andrés Rodríguez e Juan Carlos Wasmosy, disse o presidente Macchi, quarta-feira.
Em Porto Índio, há duas versões para o assassinato do “campesino” Arnaldo del Valle, de 20 anos, dia 27 de abril, do qual o principal suspeito é o brasileiro Orestes Cavalheiro, que está foragido. A versão dos “brasiguaios” sobre o assassinato que incendiou o conflito é a de que Del Valle tentou invadir a propriedade de 19 hectares de Cavalheiro. Já os “campesinos” dizem que Del Valle morreu porque “descobriu” que Cavalheiro estava envolvido no tráfico de automóveis roubados no Brasil.
A família de Del Valle e demais campesinos acusaram o antigo delegado de Porto Índio, Comissário Torres, e seu auxiliar, Rojas, de cumplicidade. Ambos tinham longo histórico de denúncias de complacência com contrabandistas e fazendeiros brasileiros.
Nenhum dos grupos de lavradores age espontaneamente. Segundo fontes bem-informadas da região, há grandes “grupos econômicos” – contrabandistas, traficantes de carros e de drogas e fazendeiros, de Ciudad del Este, Paraná e Mato Grosso do Sul, por trás do conflito. Os dois grupos são financiados e usados na guerra pelas rotas clandestinas que convergem para o Lago de Itaipu e ligam Porto Índio, no Paraguai, a Santa Helena, no Brasil.