Em aniversário da queda do Muro, chanceler alemã homenageia ‘os proibidos de sair do lado oriental durante anos’
BERLIM, Alemanha – Os 20 anos da queda do Muro de Berlim foram lembrados ontem com homenagens às vítimas do regime comunista e com agradecimentos aos líderes que ajudaram na sua derrubada, na reunificação do país e no fim da Guerra Fria. Cerca de 100 mil pessoas enfrentaram a chuva e o frio e se reuniram em frente ao Portão de Brandenburgo, numa noite de emoção e gratidão.
“Às vezes, as pessoas esquecem hoje quantos não puderam sair durante anos, quantos ficaram presos”, disse a chanceler alemã, Angela Merkel, com os olhos marejados, ao lado de chefes de Estado e de governo. “Antes da alegria da liberdade, muitas pessoas sofreram”, acrescentou Merkel, originária da Alemanha Oriental.
Entre 1961, quando o Muro foi construído, e 1989, pelo menos 136 pessoas foram mortas pelos guardas alemães orientais, que tinham ordem de disparar contra quem tentasse fugir para o lado ocidental. Merkel, que cruzou a fronteira naquela noite de 9 de novembro de 1989, repetiu ontem o gesto no primeiro posto de controle aberto, a ponte da Bornholmer Strasse, ao lado do ex-líder soviético Mikhail Gorbachev. Centenas de pessoas assistiram ao ato, gritando: “Gorby! Gorby!”
Dividindo seu guarda-chuva com Gorbachev, Merkel agradeceu o ex-secretário-geral da União Soviética, que, em 1989, retirou o apoio do Kremlin ao regime da República Democrática Alemã (RDA), sem o qual ela não sobreviveu. “Você tornou isso possível. Você, corajosamente, deixou as coisas acontecerem. Isso foi muito mais do que podíamos esperar.”
O presidente dos EUA, Barack Obama, às voltas com a aprovação da reforma do sistema de saúde no Congresso, foi representado pela secretária de Estado, Hillary Clinton. Os telões instalados no Portão de Brandenburgo exibiram um vídeo de Obama. “Nunca esqueçamos o 9 de novembro de 1989 nem os sacrifícios que o tornaram possível”, disse Obama, em meio a aplausos. “Não poderia haver rejeição mais clara da tirania nem afirmação mais forte da liberdade.”
“Agora, temos de voltar nossa atenção para os desafios do século 21”, completou Hillary. “Um muro físico pode ter caído, mas há outros muros que temos de superar. Vamos trabalhar juntos para alcançar isso.”
O presidente russo, Dmitri Medvedev, assumiu um tom notavelmente parecido. “Aqui em Berlim, todos esperamos que o tempo do confronto tenha acabado”, disse Medvedev. “A agenda da integração é muito importante para todos. Espero que todos tenhamos abandonado as barreiras que nos dividiam antes. Hoje, queremos trabalhar nessa agenda com vocês. Pensem em nossas crianças, em nosso futuro, nossa Europa.”
Sentindo-se ameaçada pela expansão da União Europeia em direção ao Leste, a Rússia defende um novo arranjo de segurança para o continente. Os ocidentais resistem à ideia.
O primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, disse que a queda do Muro permitiu que “duas Europas” se tornassem “uma só”. O presidente francês, Nicolas Sarkozy, celebrou a “liberação” não só dos berlinenses, mas dos países do Leste Europeu, incluindo a Hungria, terra natal de seu pai.
Mil peças de isopor de 2,5 metros de altura, pintadas por 15 mil crianças e jovens, representando pedaços do Muro, formavam uma fila de 1,5 quilômetro.
O ex-líder anticomunista polonês Lech Walesa, ao lado do ex-primeiro-ministro húngaro Miklos Nemeth, que permitiu a fuga de milhares de alemães orientais para a Alemanha Ocidental, empurrou a primeira peça, derrubando o “Muro” como um dominó. A data coincide com a Noite dos Cristais, quando pelo menos 91 judeus alemães foram mortos e 200 sinagogas atacadas, com a conivência das autoridades nazistas, em 1938. Por isso, não é feriado na Alemanha.
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