Fernando Haddad rejeita idéia de priorizar ensino fundamental em detrimento do superior
O ministro da Educação, Fernando Haddad, é contra a mudança de ênfase nos gastos públicos, do ensino superior para a educação básica. “Temos que aumentar o gasto nos dois níveis, e não em um, em detrimento do outro”, argumenta Haddad, 42 anos, advogado, mestre em Economia, doutor em Filosofia e professor licenciado de Teoria Política da USP.
Em entrevista ao Estado, o ministro reconhece, no entanto, que é preciso aumentar o número de alunos por professor nas universidades federais, e demonstra entusiasmo pela universidade aberta, um modelo de ensino não-presencial, que o governo está implantando no Brasil.
Relatório de 2003 do MEC mostra que metade do orçamento do ministério é destinada a salários e, dessa fatia, 87% vão para os professores e funcionários das universidades federais. O que o senhor acha dessa composição?
O MEC gasta menos de 1% do PIB. O Brasil gasta cerca de 4% do PIB com educação. Portanto, 3% do PIB é gasto por Estados e municípios. Como Estados e municípios são responsáveis por praticamente toda a rede de educação básica, 3% vão para ela. Do MEC, cerca de metade do orçamento vai para educação básica, porque boa parte do nosso orçamento é salário-educação, que financia programas como o do livro didático, merenda. Um aluno do curso superior no Brasil custa 16 vezes mais que no ensino fundamental. Entre os membros da OCDE, o país que tem a maior relação é o México: 3,2. Nossa relação é muito alta, mas não é porque se gasta muito com educação superior. Temos muito gasto em ciência e tecnologia que é considerado gasto em educação.
Isso tem a ver com o modelo de universidade. Nos outros países, os centros de pesquisa estão separados das universidades.
Essa não separação no Brasil infla os gastos com educação. O segundo aspecto são os inativos, que são considerados na conta. O terceiro são os gastos em ações e serviços de saúde. Além disso, no Brasil, temos um baixo número de alunos por docente nas universidades: 1 para 16. Na França, é 1 para 32. Não porque o professor dá pouca aula. O que temos, é pouco aluno em sala de aula, principalmente à medida que o curso avança. E não estamos aproveitando todo o potencial de infra-estrutura instalada, de laboratórios, bibliotecas. Temos de rever isso.
A universidade pública forma muitos cientistas e pesquisadores. Não seria melhor investir em instituições que formam profissionais, a um custo mais baixo?
Temos que investir mais nesses institutos de educação superior. O modelo de expansão vai atender mais a esse critério. Estamos finalizando o estabelecimento de um número mínimo de estudantes por professor nos 36 pólos novos, que não poderá ser a média atual das universidades. Eles já terão uma dinâmica diferente. Estamos lançando a Universidade Aberta do Brasil, um sistema com qualidade igual ou melhor que o presencial. Isso vai permitir, rapidamente, e a um custo infinitamente menor, levarmos a educação superior para cidades que não comportariam uma instituição de ensino superior nos moldes tradicionais. No dia 24, foi assinada com 7 universidades a instalação de 100 pólos, com 3.500 alunos, em caráter experimental. Para você ter uma idéia de quão baixo é o custo, são R$ 6 milhões para a melhoria dos pólos já existentes e para elaboração do material didático.
No longo prazo, não há a intenção de mudar a relação entre os gastos com ensino básico e superior?
Não. Temos que aumentar o gasto nos dois níveis, e não em um, em detrimento do outro. A União está aportando R$ 4,3 bilhões no Fundo da Educação Básica, pela emenda constitucional que cria o Fundeb (em tramitação na Câmara). Esse fundo decuplica a verba da União para educação básica. Um dos grandes erros que o País cometeu foi opor a educação superior à básica. Gerou distorções inclusive para a educação básica, como a falta de professores graduados. Reduzir gasto com ensino superior num país que tem 9% dos jovens entre 18 e 24 anos matriculados, e apenas um terço nas instituições públicas, não é o caminho.
Mas também é preciso melhorar o ensino médio, para mais pobres entrarem na universidade pública.
Este governo tem dois programas que não existiam antes: o Prodeb, que são R$ 400 milhões investidos no ensino médio, e o livro didático, que só tinha para o ensino fundamental. Estamos atuando em todo o ciclo. Os dois níveis são complementares.
Como porcentual do PIB, não estamos mal, comparando com a OCDE.
Essa é uma comparação completamente inapropriada. Esses países já fizeram o esforço para educar sua população.
O esforço não é contínuo? Os EUA não têm que educar a população?
Não é assim que funciona. Todo país que deixou de ter indicadores baixos na educação fez um esforço maior. O Japão, no pós-guerra, investiu muito mais em educação do que investe hoje. Não concordo com esse tipo de conta, porque superestima os gastos com educação no Brasil. Segundo, porque não leva em consideração o estoque da dívida educacional. Nosso gasto com educação básica é baixíssimo, em paridade de poder de compra. Além disso, tivemos a escravidão moderna mais longeva do mundo, e 46% são afrodescendentes. Gastando a média mundial, você não vai saldar essa dívida. Só 10% das crianças estão em creches. No período mais importante de formação neurológica, a criança está trancada num quarto, sendo cuidada por um irmão, e não numa creche recebendo o estímulo correto para uma formação adequada da sua capacidade cognitiva.
O ponto é que não se aprende praticamente nada na escola pública.
É porque a maioria das crianças chega velha, aos 7 anos, à escola pública. Criança pobre sem a devida atenção vai repetir a 1.ª série mais de uma vez. A repetência está em 40%.
A dúvida, aqui, é se o problema é falta de dinheiro ou falta de usar bem o dinheiro.
Acho as duas coisas. Tem toda uma questão de melhorar a qualidade do gasto, mas não podemos desconsiderar nossa realidade histórica. Precisamos de um compromisso nacional para superar essas dificuldades.
O comprometimento legal da receita já não é razoável: 18% federal e 25% estadual e municipal?
No caso federal, não. Há a DRU (desvinculação das receitas orçamentárias), que resulta numa desvinculação efetiva de 33%. A educação perdeu, depois da DRU, R$ 4,5 bilhões (ao ano). Nos últimos dez anos, só aumentaram as contribuições sociais. Impostos, que é sobre o que incidem os 18%, vêm caindo, como proporção do orçamento. A educação, ou entra para a agenda econômica do País, e deixa de ser considerada meramente como gasto social, ou vamos chegar ao bicentenário da Independência (em 2022) com os mesmos problemas que temos hoje.