Medida causa protestos até mesmo entre funcionários, que a atribuem a lobby indiano
ISLAMABAD – O governo paquistanês anunciou ontem que determinou o congelamento dos depósitos bancários de duas organizações religiosas locais, incluídas pelos Estados Unidos na lista de 27 grupos e indivíduos vinculados ao terrorismo. Com essa iniciativa, o Paquistão saiu da etapa do apoio verbal e ingressou na dolorosa – e arriscada – fase das medidas concretas e do engajamento ostensivo no esforço antiterrorista liderado pelos americanos.
As duas organizações – a Fundação Al-Rashid e a Harkatul Mujahideen – têm raízes sociais profundas e amplo prestígio e respaldo da população paquistanesa. Al-Rashid Trust é uma instituição assistencialista que, entre outras obras de caridade, oferecia comida para 125 mil pessoas no Afeganistão. A organização estava elaborando um projeto de construção de uma grande padaria, destinada a produzir 300 mil pães por dia também para os afegãos. O motivo de sua inclusão na lista é seu suposto envolvimento com a Lashkar-e-Taiba, uma das mais importantes redes de recrutamento de combatentes muçulmanos para a jihad (guerra santa) contra o governo indiano no território disputado da Caxemira. A Hakatul Mujahideen, por sua vez, tem o objetivo explícito de promover a jihad na Caxemira.
A inclusão das duas organizações na lista provocou indignação dentro do próprio governo paquistanês. “Não sabemos aonde os americanos querem chegar tornando uma instituição de caridade inofensiva como Al-Rashid alvo da ofensiva internacional”, disse um funcionário da área de segurança ao jornal paquistanês The News. Do ponto de vista da Al-Rashid, o congelamento dos depósitos pode resultar inócuo. “Não há dinheiro em nossas contas porque fazemos retiradas diárias das doações para o trabalho de caridade”, disse um voluntário que trabalha para a fundação.
Irritados funcionários paquistaneses vêem o banimento dos dois grupos como resultado do lobby indiano. Durante a preparação da lista, a principal assessora do primeiro-ministro indiano, Birjesh Mishra, reuniu-se, na segunda-feira, com a conselheira de Segurança Nacional da Casa Branca, Condoleeza Rice, em Washington. A inclusão das duas organizações de Islamabad, do rumo tomado pelo esforço antiterrorista liderado pelos EUA, ao lado do namoro com a Aliança do Norte, que combate o regime do taleban, com apoio da Índia, Rússia e Israel, segundo o consenso no mundo muçulmano.
Indagado ontem pelo Estado sobre a posição do governo paquistanês em relação à inclusão das duas organizações na lista negra, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Riaz Mohammad Khan, disse que “o Banco do Estado (equivalente ao Banco Central) recomendou aos bancos paquistaneses que seguissem a diretriz do governo americano e averiguassem se entre os seus clientes estão correntistas ligados às duas entidades”. Khan acrescentou que é do interesse dos bancos tomar essa medida, para evitar prejuízos em seu relacionamento com instituições bancárias americanas e européias, referindo-se às sanções em caso de descumprimento da diretriz.
O porta-voz disse ainda que alguns bancos já congelaram algumas contas, sem entrar em detalhes. E recusou-se a comentar as implicações políticas do cerceamento das atividades de instituições com grande penetração social no Paquistão e que vinham operando livremente – até serem acusadas pelos EUA de envolvimento com o terror islâmico.
Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.