Presidente eleito dá sinais de que política externa sofrerá mudanças e irá se dirigir mais à América Latina
CIDADE DO MÉXICO – O governo de Vicente Fox foi marcado por uma proximidade carnal com os Estados Unidos. Sua política externa não divergiu um milímetro sequer dos interesses de seu poderoso vizinho. Embora também seja um liberal, Felipe Calderón deve buscar um pouco mais de equilíbrio entre o norte e o sul, e as relações com a América Latina em geral e com o Brasil em particular devem mudar. É o que indicam ele próprio, seus assessores em política externa e analistas, ouvidos pelo Estado.
“Calderón deve dar um rumo mais definido do que Fox, que reflita melhor os interesses do México na América Latina”, diz o embaixador Andrés Rozental, membro do Conselho Consultivo de Política Externa do presidente eleito, que o tem assessorado nos últimos seis meses.
Rozental, vice-chanceler no governo Carlos Salinas de Gortari (1988-94), recorda que Fox “comprou briga” com quase todos os presidentes de esquerda da região: o cubano Fidel Castro, o venezuelano Hugo Chávez, o argentino Néstor Kirchner e até o chileno Ricardo Lagos, conhecido por sua moderação. “Calderón terá de ter objetividade, visando os interesses do México.”
“Creio que vai haver uma intenção muito clara de se aproximar da América Latina”, concorda Rossana Fuentes Berain, professora de relações internacionais no Instituto Tecnológico Autônomo do México. “Especialmente despois da desafortunadíssima candidatura na OEA (Organização dos Estados Americanos), que colocou o México em confronto com toda a América Latina.”
Em abril do ano passado, o México apresentou um candidato ao cargo de secretário-geral da OEA, Luis Derbez, para satisfazer o governo americano, que não queria a eleição do chileno José Miguel Insulza, apoiado pelo Brasil e pela Venezuela. Os americanos cooptaram os governos da América Central, e a eleição acabou empatada. Insulza finalmente se elegeu, mas o episódio irritou os governos sul-americanos.
E houve, claro, o embate entre Fox e Chávez durante a Cúpula das Américas, em novembro do ano passado, em Mar del Plata, quando o presidente venezuelano liderou a resistência à criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), defendida pelos EUA e pelo México. Depois de trocar farpas, Chávez e Fox chamaram de volta seus respectivos embaixadores.
“A discussão da Alca se desenvolveu dentro de uma polêmica político-ideológica”, disse, Calderón na quinta-feira, em entrevista coletiva à imprensa internacional. “Eu gostaria muito de poder discutir esses temas por seus méritos. Ou seja, que possamos discutir a Alca ou qualquer outro tratado em termos de que benefícios reais tangíveis e também de que custos podem significar para nós. O que não quero fazer é simplesmente reforçar os obstáculos já existentes. Se se entrar com um tema polêmico, controverso, com uma enorme carga ideológica, vai gerar obstáculos à integração da América em geral, e isso não me pareceria uma boa estratégia.”
Mais tarde, em entrevista exclusiva ao Estado, Calderón argumentou que não há conflito entre as estreitas relações com os Estados Unidos e uma aproximação com a América Latina. “A disjuntiva que supostamente existe, segundo observadores e atores regionais, entre a participação mexicana em mecanismos de concertação e integração regionais na América Latina e sua ancoragem na América do Norte, mediante o Nafta, é um falso dilema”, disse ele. “O segundo não anula o primeiro.”
“O México, como faz o Brasil com outras nações e blocos extra-hemisféricos, tem a vontade, a capacidade e a necessidade de estabelecer um andaime regional de interlocução sólida, à medida que abre outros espaços diplomáticos e comerciais”, continuou. “Acreditamos que o futuro da América Latina requer a construção de equilíbrios nos quais o México deve estar presente.”
Com relação ao Brasil, Calderón disse que procurará “detonar uma relação produtiva e madura”.
Segundo ele, “ambas as nações devem interagir na definição de mecanismos que garantam que a América Latina não deixe de ser uma região geopolítica e geoestrategicamente relevante no mundo.” Não que não haverá diferenças: “Devemos partir de um reconhecimento medular de que, em alguns momentos, o México e o Brasil terão visões e interesses regionais e globais divergentes, mas isso não implica nem rivalidade nem confrontação.”
Muitos paradigmas da política externa de um país são tão imutáveis como sua posição geográfica, e com o México não será diferente. Calderón colocou como uma das prioridades de sua política externa alcançar um acordo migratório com os Estados Unidos, ainda na gestão do presidente George Bush, ou seja, nos próximos dois anos. De acordo com Rossana Fuentes, a mesma tentativa “consumiu a maior parte das energias da política externa de Fox”, o que certamente pesou para que ele procurasse agradar os Estados Unidos. Não teve êxito. Se Calderón finalmente tiver, poderá compartilhar parte de suas energias com os parceiros do Sul.
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