Há um complicador na discussão sobre o modelo de universidade pública no Brasil: a pouca pesquisa e desenvolvimento (P&D) que se faz no País está concentrada nela.
Quando os especialistas em educação propõem levar a pesquisa para outras instituições, muita gente estremece: quem mais se interessaria em bancar P&D, que equivale a um bilhete para o mundo desenvolvido?
Muito dessa preocupação se origina na noção de que a pesquisa é um ato de desprendimento, de amor à humanidade. Não um negócio. Portanto, só o poder público, por meio da universidade, pode financiá-la.
“No mundo inteiro, a pesquisa só funciona com investimento estatal”, diz Luiz Felippe Perret Serpa, da Universidade Federal da Bahia. “Nos EUA, mesmo nas universidades privadas e nos grandes conglomerados, os recursos para os grandes investimentos em pesquisa tecnológica vêm de contratos com órgãos do governo, como a Nasa.”
“Nosso problema é a mentalidade dos empresários, que preferem caixas pretas”, lamenta Humberto Cordani, presidente da Comissão Especial do Regime de Trabalho (Cert) e professor da Geologia da USP. Não querem investir em pesquisa própria.”
Mario Bernardini, diretor do Departamento de Competitividade e Tecnologia da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), assegura que o problema é outro: “A universidade não gera tecnologia e inovação, que são desenvolvidas nas empresas.” Nos EUA, segundo Bernardini, menos de 5% das patentes vêm das universidades. “O que se pesquisa na universidade é algo novo. Leva anos para chegar à indústria.”
Na avaliação do diretor da Fiesp, menos de 5% dos resultados dos projetos financiados pelas agências estatais de fomento à pesquisa interessam à indústria. “Alguém achou no governo que, investindo na universidade, ajudaria a indústria. Não tem nada a ver”, diz ele, referindo-se aos fundos setoriais criados pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, que arrecadaram no ano passado R$ 887 milhões em taxas cobradas da iniciativa privada para custear a pesquisa nos respectivos setores.
“É dinheiro da indústria que primeiro vai para a universidade, que tem uma lista do que quer fazer, e nem sempre interessa à indústria”, afirma Bernardini. “Os recursos deveriam ir para a indústria e depois ela escolhe se os destina para universidades ou institutos de pesquisa”, opina ele, lembrando os exemplos da Coréia e do Japão.
Seria mais fácil se os cientistas fossem empregados da indústria e não das universidades. “Se o empresário não contratar cientista, não tem jeito”, diz Walter Colli, professor do Instituto de Química da USP. “É o empresário que tem que dizer: ‘Você vai me produzir um copo com essas e essas características. Não vai discutir o sexo dos anjos.’ Querem que a universidade crie produtos novos para o empresário comercializar? Os empresários vão ser comerciantes dos produtos da universidade?”
No Brasil, 73% dos cientistas se concentram nas universidades. Nos EUA, essa fatia é de 13%. No Brasil, 11% estão em centros de pesquisa de empresas privadas; nos EUA, 79%. Além de estarem no lugar errado, os cientistas são pouquíssimos, em comparação com outros países. No Brasil, há 8.765 pessoas fazendo P&D nas empresas; na Coréia do Sul, 74.565. Nas universidades, há 56.760 brasileiros, ante 48.588 coreanos. Nos institutos de pesquisa, 12.336 no Brasil e 15.186 na Coréia do Sul, que tem 48 milhões de habitantes, menos de um terço do Brasil.
“Não é que o empresário brasileiro não goste; ele não consegue investir em pesquisa”, pondera Carlos Henrique de Brito Cruz, presidente da Fapesp. Com os juros tão altos, compensa mais deixar o dinheiro no banco do que contratar pesquisadores. Além disso, a instabilidade econômica e das regras impede o planejamento: “Se o resultado de uma pesquisa leva três anos, depois de um ano pode mudar a lei ou o imposto, derrubando as premissas do investimento.”
“A contratação de pesquisadores pelas empresas não vai crescer no Brasil”, descarta o consultor Simon Schwartzman. “O País tem uma economia internacionalizada. A pesquisa e desenvolvimento está concentrada nas matrizes das companhias transnacionais, que estão perto das principais universidades do mundo.”
Não que não valha a pena. Com orçamento anual de R$ 13 milhões, o Instituto de Física da Unicamp já deu origem a 12 empresas de alta tecnologia, que faturam R$ 300 milhões. “Diga-me qual investimento rende mais de 20 vezes”, pergunta Brito Cruz.