Líbios criticam governo brasileiro por abstenção no Conselho de Segurança
BENGHAZI – O comboio que se dirigia para Benghazi quando foi destruído pelos caças-bombardeiros franceses na noite de sábado estende-se por uma faixa de 30 km na saída oeste da “capital rebelde”. O Estado contou 25 tanques, 24 caminhões, 14 caminhonetes, 3 jipes Toyota Land Cruiser, 15 carros comuns e 3 ônibus para transporte de tropas. Três dos caminhões tinham montadas nas suas carrocerias baterias de 40 foguetes Grad. Outro estava carregado de foguetes. Três transportavam tanques e 2, combustível.
Os benghazis visitam agora esse cemitério de veículos militares, alguns ainda com os pneus fumegantes, e têm a impressão vívida do que os esperava naquela noite: seriam trucidados. “Veja o presente que Kadafi trazia para Benghazi, brinca Najib Shekey, um engenheiro eletricista de 30 anos. Sua sensação é a de que foram salvos pelo presidente francês, Nicolas Sarkozy.
Quando ficam sabendo que o repórter é brasileiro, muitos líbios balançam a cabeça em sinal de desaprovação e perguntam por que o Brasil se absteve na votação do Conselho de Segurança da ONU que autorizou a intervenção militar para conter os ataques de Muamar Kadafi contra sua própria população. Os líbios são fanáticos por futebol e por isso nutrem, ou nutriam, muito apreço pelo Brasil. Agora tentam entender por que esse apreço, na sua interpretação, não é retribuído.
“O governo brasileiro apoia Kadafi”, constata amargamente Shekey. “Deve ser por causa de dinheiro. Talvez vocês tenham medo de que seus investimentos aqui sejam prejudicados, não sei.” Mohamed Sherif, de 50 anos, ressalva: “Mas há uma diferença entre o governo e o povo. O governo brasileiro é mau, mas o povo é bom.”
Abdul Fatah, um professor de geografia de 32 anos, tira algumas lições da votação do Conselho: China, Rússia, Brasil, Alemanha e Índia são maus países”, diz ele, enumerando os cinco que se abstiveram na votação, que não teve votos contra. “Inglaterra e Estados Unidos são bons, e Sarkozy, o número 1.” A França e a Inglaterra prepararam o esboço da resolução e pressionaram pela sua votação, na quinta-feira. Dois dias depois, a França foi anfitriã do encontro que mobilizou os países árabes e ocidentais para a intervenção militar, e deu início aos bombardeios, no mesmo sábado.
O dentista Mortala Bujazi, de 27 anos, tem uma explicação mais elaborada: “O Brasil e a Índia não entendem o que acontece aqui. Vocês estão confusos achando que a oposição pegou em armas para lutar contra o governo. Não é isso”, descreve ele. “Todo o povo líbio rejeita Kadafi. A luta é entre o povo líbio e a família de Kadafi.”
O estudante de engenharia Monir Kraimesh, de 23 anos, que mora no lado sudoeste de Benghazi, conta que viu as forças de Kadafi aproximando-se. “Achei que iam destruir tudo, que todos íamos morrer.” Kraimesh e todos com quem o Estado conversou acreditam que a zona de exclusão aérea foi importante para evitar o avanço de Kadafi, mas que, para livrar-se dele, precisam de mais apoio da comunidade internacional.
“Somos 6 milhões, e eles são apenas uns 10 mil. O que eles têm são armas pesadas.”, diz Mohamed Abdullah, um engenheiro de 36 anos, diante de um caminhão que transportava dois tanques. Moradores de Jarrotha, o vilarejo a 30 km de Benghazi onde os veículos foram destruídos por um míssil, colocaram a cabeça de uma cabra na grade do motor do caminhão. “Se nos derem armas, vamos arrancar a cabeça de Kadafi, como a dessa cabra”, garantiu Abdullah.
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