Ataques contra sistemas de defesa e radares têm como objetivo aplicar zona de exclusão aérea
TOBRUK, Líbia – Aviões franceses e britânicos e mísseis americanos atacaram ontem alvos das forças leais ao ditador Muamar Kadafi, dando início à ação militar autorizada pelo Conselho de Segurança da ONU na quinta-feira. Os ataques se seguiram à invasão de Benghazi, o principal reduto da oposição, pelas tropas de Kadafi , forçadas a recuar pelos combatentes rebeldes antes mesmo de começar a ação das forças aliadas.
Às 18h45 (13h45 em Brasília), aviões franceses realizaram a primeira missão, destruindo cinco tanques e três veículos blindados perto de Benghazi. Em seguida, 120 mísseis de cruzeiro foram disparados pelas forças americanas contra alvos militares em várias partes do país. Aviões britânicos também entraram em ação, em missões de reconhecimento de alvos. Novos ataques eram esperados durante à noite, já que os aviões ocidentais estão equipados para operações noturnas. Aviões dinamarqueses também estavam prontos para entrar em ação.
Na madrugada de ontem, as forças de Kadafi avançaram 60 km por terra, entrando em Benghazi. Segundo os rebeldes, o comboio se estendia por 2 km e incluía cerca de 150 caminhonetes com metralhadoras artilhadas montadas sobre suas carrocerias. Mas o que causou mais pânico, foi a atuação de integrantes da Legion Thawra (Legião Revolução), os comitês revolucionários criados por Kadafi, que esperavam para entrar em ação quando as forças do regime entrassem na cidade. Eles percorriam as ruas da cidade disparando fuzis e lançando granadas de mão aleatoriamente. Pelo menos nove deles foram presos, segundo a oposição. Integrantes das kataeb, as brigadas de elite do regime, que entraram ontem na cidade, também espalharam terror atirando em civis.
De acordo com Mustapha Gheriani, porta-voz do Conselho Nacional Líbio, 50 combatentes morreram ontem em Benghazi, bem como um número indeterminado de civis. Áreas residenciais de Benghazi foram duramente bombardeadas com baterias de foguetes do tipo Grad, montadas sobre caminhões. Cinco tanques foram confiscados pelos rebeldes. Mas a oposição também sofreu revezes. Um de seus três aviões foi derrubado, aparentemente pela própria artilharia antiaérea rebelde.
“Sabemos que mais sangue será derramado, e estamos prontos a aceitar os danos colaterais dos ataques aliados”, resignou-se Gheriani, que veio a Tobruk, 500 km a leste de Benghazi, conversar com os jornalistas. Não ficou claro se as forças de Kadafi empregaram aviões ontem.
Aparentemente o ditador decidiu poupar sua Força Aérea, diante da iminência dos ataques dos aliados ocidentais. Navios de guerra parecem ter sido usados para o desembarque de tropas em Benghazi, situada na costa mediterrânea, e também para lançar foguetes contra a cidade.
Durante o avanço, Kadafi assumiu um tom desafiante, em cartas aos presidentes dos Estados Unidos e da França, ao primeiro-ministro da Grã-Bretanha e ao secretário-geral da ONU, Ban Ki Moon. “Se vocês interferirem em nosso país, vão se arrepender”, ameaçou Kadafi na carta ao presidente francês, François Sarkozy, e ao primeiro-ministro britânico, David Cameron.
Na mensagem ao presidente Barack Obama, dos Estados Unidos, ele assegurou: “O povo líbio está pronto para morrer por mim – homens, mulheres e crianças.” E perguntou: “Como você se comportaria se uma cidade dos EUA fosse ocupada por um grupo de fora?” Um porta-voz do governo em Trípoli, que leu as cartas em entrevista coletiva, classificou os combatentes em Benghazi, a segunda maior cidade do país, com 1 milhão de habitantes, de “terroristas da Al-Qaeda”.
Os rebeldes atacaram as kataeb também em Al-Magrun, que fica no meio do caminho entre Ajdabiya (160 km a oeste) e Benghazi. Os combates continuavam ontem em Ajdabiya. Misrata, a única cidade da região oeste controlada pelos rebeldes, foi intensamente bombardeada na noite de sexta-feira, segundo moradores, e as tropas de Kadafi tentavam avançar em direção ao centro.
Apesar de toda essa movimentação, o governo líbio mantinha ontem a versão de seu cessar-fogo unilateral. O vice-chanceler Khaled Kaaim disse, em entrevista coletiva, que as forças do governo não disparariam de volta contra os combatentes que as atacavam, e negou as informações de que as kataeb continuavam avançando sobre Benghazi. Citando o caso de Al-Magrun, Kaaim disse que eram as “milícias armadas”, como o regime se refere aos rebeldes, que estavam violando o cessar-fogo.
O cessar-fogo foi declarado unilateralmente na manhã de sexta-feira, horas depois de o Conselho de Segurança da ONU autorizar na noite de quinta-feira o uso da força “por todos os meios necessários” para conter os ataques das forças militares do regime contra a população.
Publicado no Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.