Em 130 caminhonetes, soldados líbios e mercenários atacaram Brega logo cedo, mas foram repelidos em batalha que deixou pelo menos 14 mortos
BREGA, Líbia – As forças leais ao presidente Muamar Kadafi fracassaram ontem na tentativa de tomar instalações do vilarejo de Brega, 230 km a oeste de Benghazi, a principal cidade controlada pelos rebeldes. Pelo menos 14 pessoas morreram e 29 ficaram feridas no combate que se seguiu à ocupação da refinaria e da pista de pouso por integrantes das forças especiais e mercenários, que foram repelidos por combatentes e soldados rebeldes. O saldo não inclui mortos e feridos levados pelas forças do governo, ao baterem em retirada.
De acordo com combatentes e moradores de Brega ouvidos pelo Estado, os integrantes das forças especiais e mercenários negros africanos chegaram às 6h30 locais, em cerca de 130 caminhonetes 4 x 4, e ocuparam a pista de pouso e a refinaria, matando dois de seus seguranças na entrada. Brega tem apenas 2 mil moradores, mas é estratégica, porque fornece gasolina e gás a Benghazi, a segunda maior cidade do país, com 1 milhão de habitantes. Daqui parte também o gasoduto submarino para a Itália. Brega representava ainda um avanço das forças leais ao governo em direção ao leste. A ofensiva foi apoiada por um avião de guerra, aparentemente um Sukhoi russo, e por peças de artilharia montadas sobre as caminhonetes.
Os reforços dos combatentes anti-Kadafi começaram a chegar a Brega por volta de meio-dia, vindo de Ajdabiya, 70 km a leste, e de Benghazi. A maioria eram civis armados com fuzis Kalashnikov. Havia também soldados do Exército rebelde. O Estado viu dez caminhonetes com peças de artilharia montadas na carroceria e um caminhão com quatro baterias antiaéreas na estrada de Ajdabiya para Brega, a caminho do contra-ataque. Um tanque foi estacionado de cada lado na entrada de Ajdabiya, ornada por um arco do triunfo de metal verde, remanescente da arquitetura triunfalista de Kadafi.
Com a chegada dos reforços, parte dos soldados e mercenários pró-Kadafi saiu da refinaria, invadiu a Universidade Al-Nejm al-Sata e tomaram como reféns cerca de 40 pessoas, a maioria mulheres e filhos dos professores, que estavam no alojamento, relataram ao Estado várias testemunhas. Os civis foram colocados como escudos humanos na frente da universidade, enquanto os soldados e mercenários disparavam contra os combatentes rebeldes, que temiam atirar e matar os reféns.
Combatentes oposicionistas vieram buscar granadas propelidas por foguetes (RPGs), disparadas dos ombros, na Base de Hania, em Ajdabiya, voltaram a Brega e passaram a atacar a universidade e a refinaria de vários flancos, juntamente com os reforços do Exército rebelde. Os soldados das forças especiais leais a Kadafi e mercenários bateram em retirada por volta das 17h30 locais (12h30 em Brasília), levando feridos, possivelmente mortos e entre sete e oito reféns, segundo relatos feitos ao Estado. Eles fugiram nas suas caminhonetes 4 x 4 pelas areias do deserto, em direção ao sul. Parte dos combatentes saiu ao seu encalço. O repórter do Estado viu o avião despejando bombas entre os soldados e mercenários e os rebeldes, que por isso recuaram.
Os combatentes observaram que o piloto não tinha intenção de matá-los, mas apenas garantir a fuga dos governistas, caso contrário o saldo de mortos e feridos teria sido muito maior. Uma das bombas fez uma grande cratera na beira da estrada. Vários combatentes anti-Kadafi entraram nela brandindo seus fuzis e gritando: “Allah-u-Akbar”, “Deus é grande”.
O destino das tropas pró-Kadafi é incerto. Moradores de Brega disseram que há quatro campos de petróleo naquela direção, o primeiro deles a 120 km. Depois desses campos, está a cidade de Awjilah. “Talvez eles queiram tomar o controle dos campos”, especulou o engenheiro Mohamed al-Borju, que trabalha na fábrica da Alcatel aberta há um ano em Brega.
No necrotério do hospital de Brega, o repórter do Estado viu dez corpos. Dois deles integravam as tropas leais ao governo: um líbio, pertencente à tribo de Kadafi, Al-Gaddadfa, segundo os funcionários do hospital, e um negro, identificado como mercenário nigeriano. Entre os mortos estava um garoto de 15 anos, que segundo os funcionários era um pastor de ovelhas desarmado. Um irmão dele, também criança, foi ferido, assim como uma mulher. Todos os feridos foram levados em ambulâncias para Ajdabiya e Benghazi, porque o hospital de Brega não tem condições de atendê-los. Quatro corpos de rebeldes foram levados para suas cidades de origem – Azzuwaytinah e Al-Baida.
Quatro dos mortos tiveram parte do corpo desfigurado por estilhaços de bombas. “Veja o que Kadafi faz”, disse o médico Abdul Fatah Mograbi, de 34 anos, abrindo a porta da câmara funerária para o repórter do Estado: “Leva nosso petróleo, nosso sangue e nos dá apenas bombas.” Lá fora, homens gritavam: “Eles são mártires queridos por Alá.”
A noite caiu sobre Brega, e a atmosfera era de celebração. Os moradores e os combatentes que vieram ajudá-los sentiam orgulho de ter rechaçado as forças de Kadafi, durante 41 anos considerado invencível.
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