Se a economia aproxima Dilma Rousseff de José Serra, o interesse pela psicanálise une os dois a Marina Silva.
Os três conhecem e apreciam o trabalho de Sigmund Freud – com as múltiplas associações que a psicanálise pode ter com a visão de mundo e o comportamento, com o trabalho, com preferências literárias e outras influências intelectuais.
Dentre os três, Dilma é a que tem gosto literário e artístico mais fácil de identificar com a psicanálise. Além de Freud, ela leu também Jacques Lacan. Talvez mais emblemático, Dilma bebe diretamente da fonte que inspirou Freud a elaborar conceitos centrais da psicanálise, como o complexo de Édipo. Ela tem lido, relido e estudado o teatro grego em geral e em particular Sófocles, autor da trilogia sobre Édipo, o rei que mata o pai e se casa com a mãe.
“Ela realmente conhece do assunto”, avalia o ministro da Secretaria Geral da Presidência, Luiz Dulci, que estudou literatura clássica grega e latina na Universidade Federal do Rio de Janeiro, e já conversou várias vezes com Dilma sobre peças gregas. Ela aprendeu latim no Colégio Sion de Belo Horizonte, e gosta de traduzir. Dilma é aficionada por romancistas cujo traço comum é a capacidade de criar personagens com enorme densidade psicológica, como Machado de Assis, Guimarães Rosa, Honoré de Balzac e Émile Zola. Germinal, de Zola, causou-lhe impacto. Dilma leu toda a Comédia Humana, que reúne 91 romances, contos e ensaios.
Machado de Assis é também um dos autores preferidos de Serra. Assim como Jorge Luis Borges, outro escritor cujo trabalho multidimensional ultrapassa a esfera estrita do romance para se engajar em discussões quase teóricas sobre a condição humana. Serra teve com a psicanálise a relação de paciente. Sua analista foi Madre Cristina, o nome religioso de Célia Sodré Dória, militante católica que o lançou na vida política em 1963, como candidato a presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE). Madre Cristina também foi professora de Marta Suplicy, que Serra derrotou na disputa pela Prefeitura de São Paulo em 2004.
Já a relação de Marina com a psicanálise é mais acadêmica. Ela gostaria de ter feito psicologia, mas não havia o curso na Universidade Federal do Acre quando prestou vestibular, em 1981. Graduou-se em história, mas não demonstra interesse por ela. Fez especialização em teoria psicanalítica na Universidade de Brasília, em 2007, com monografia sobre “os pontos de contato entre a psicanálise e o sistema de crenças judaico-cristãs: lugar do sagrado no processo de elaboração do psiquismo”. Marina, que na origem foi fortemente influenciada pelo educador Paulo Freire e se define como “professora”, faz atualmente pós-graduação em psicopedagogia na Universidade Católica de Brasília.
Serra calcula que “um terço ou metade” do que leu foi até os 20 anos de idade. Dilma, incentivada pelo pai, o advogado búlgaro naturalizado brasileiro Pedro Rousseff, leu muito na infância e na adolescência, mas continua lendo com notável voracidade. Dedica-se também a ouvir ópera – sabe de cor trechos do Don Giovanni, de Mozart – e música popular brasileira. Sempre que pode, por exemplo em fugas na hora do almoço durante viagens com Lula, visita museus e igrejas na Europa e nos Estados Unidos, para apreciar quadros.
“Ela estudou muita história da pintura, e tem formação muito sólida em música erudita”, afirma o advogado trabalhista Carlos Araújo, que foi seu marido entre 1970 e 2000, aproximadamente (“não somos muito ligados em datas”). O período em que Dilma menos leu foi o da luta contra a ditadura nos anos 70. “Não tínhamos tempo para leituras, mas líamos (Régis) Debray e (o guerrilheiro argentino Ernesto) Che Guevara, coisas relacionadas à guerrilha e a Cuba”, recorda Araújo, de 72 anos, que vive em Porto Alegre.
A história de Marina é inversa à de Serra. Ela se alfabetizou aos 16 anos. E desde então não parou de ler. Depois de ser converter à Assembleia de Deus em 1997, Marina leu quase exclusivamente a Bíblia durante dois anos. Traz sempre na bolsa um exemplar, ao qual se dedica longamente em situações como viagens aéreas. Outra referência de caráter religioso são as Confissões de Santo Agostinho. A partir do relato de sua conversão à fé cristã, depois de 30 anos de vida “pecaminosa”, ele reflete sobre as naturezas humana e divina.
Assim como para Santo Agostinho, a conversão foi um momento definidor na vida de Marina. Formada intelectual e politicamente nas comunidades eclesiais de base, Marina fez cursos com os irmãos Clodovis e Leonardo Boff, teóricos da Teologia da Libertação. Mas, à medida que avançou na sua formação marxista e trotskista, e militou no Partido Revolucionário Comunista, distanciou-se da religião e perdeu a pecha de “igrejeira” – grave defeito para esquerdistas radicais.
Foi a busca da cura das sequelas causadas pela contaminação com mercúrio, por três hepatites e por cinco malárias que a levou para a Assembleia de Deus. Uma necessidade física que evoluiu para um conforto espiritual e uma moldura intelectual: a visão de Marina sobre o “Armagedon ambiental” parece a síntese de suas preocupações naturais e sobrenaturais.