Líder parlamentar xiita acusa governo de ser comandado por EUA e França e exige que seu grupo tenha mais de um terço dos ministérios
BEIRUTE – Cercada por grades, tanques e soldados, a área litorânea de Beirute onde fica o Parlamento está irreconhecível. Na área cheia de restaurantes e cafés elegantes, agora só circulam militares. O Parlamento está às moscas, desde que o Hezbollah e seus aliados iniciaram o bloqueio ao governo, na sexta-feira. Nessa atmosfera lúgubre, o líder da oposição no Parlamento, Mohamed Raad, deputado pelo Hezbollah, recebeu ontem o Estado em seu gabinete. Raad, de 52 anos, um homem corpulento cujo sobrenome significa ‘trovão’, explicou as condições para que a oposição devolva o país à normalidade.
Que condição vocês impõem para pôr fim ao bloqueio?
O que pedimos é algo muito modesto, o mínimo. O governo tem 55% das cadeiras do Parlamento. A oposição tem 45%. Não exigimos que nossa representação no gabinete seja proporcional. Só queremos ter um terço mais um dos ministérios. Eles concordaram em nos dar um terço. Mas eles escolheriam o ministro a mais (que confere poder de veto), que não seria nem do governo nem da oposição. Não aceitamos isso.
Vocês saíram do governo por causa da aprovação do tribunal internacional para julgar os suspeitos de matar o ex-premiê Rafic Hariri?
Aceitamos o tribunal em princípio. Eles propuseram que, se aprovássemos a criação do tribunal, nos dariam a representação que queremos. Dissemos: dêem-nos primeiro a representação, e depois aprovamos o tribunal. Eles aprovaram o tribunal sem nós. Então saímos.
Qual a solução para o impasse?
Se eles quiserem mesmo que o país volte à normalidade, temos de chegar a uma solução de compromisso. Eles nos obrigaram a ir para as praças. Romperam negociações e se negaram a dividir o poder. Por isso chegamos a esse beco sem saída.
Até onde vocês vão chegar?
Ocuparemos as praças até conseguir tudo o que queremos.
Pacificamente?
Com certeza.
Vocês querem também uma mudança na distribuição constitucional de cadeiras entre os grupos religiosos no Parlamento?
O clima no país não permite falar disso. Seria preciso o apoio de todos os grupos religiosos do Líbano.
Mas, com o aumento da população xiita, a divisão de metade das cadeiras para os cristãos e a outra metade para todos os muçulmanos não cria uma situação artificial?
Isso tem razões históricas. Os maronitas libaneses consideram que são uma minoria no mundo árabe e precisam de garantias para viver em paz. Uma das garantias é essa divisão de cadeiras do Parlamento. Ninguém está propondo mudar isso agora.
O Hezbollah não perdeu popularidade ao fornecer uma justificativa para Israel destruir parte do país?
Foi revelado depois que EUA e Israel tinham planos de atacar o Hezbollah em outubro. A captura dos dois soldados israelenses só antecipou o ataque.
Mas o Hezbollah faz o jogo da Síria, que poderia ser culpada pela morte de Hariri, e do Irã, cujo programa nuclear enfrentaria um prazo final em agosto.
A Síria não foi beneficiada em nada. O processo de investigação e de criação do tribunal continuou. O verdadeiro motivo pelo qual saímos do governo é que ele é comandado pelos americanos e franceses. Tem gente que quer assinar um acordo com Israel, esquecendo as Fazendas de Cheba (ocupadas no sul) e os prisioneiros libaneses. O governo também pode recusar a influência do Irã e da Síria. Com nossa proposta de divisão do poder, chegaríamos a um equilíbrio. Mas os americanos não deixaram.
Vai haver guerra civil?
Não creio. Não temos nenhuma intenção de que haja. Mas, se os franceses e americanos quiserem começar uma guerra no Líbano, enfrentaremos as balas e continuaremos nos manifestando.
Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.