Jarbas, um estranho na própria campanha

Acostumado a vencer, senador tem como adversário governador com maior taxa de aprovação do País, está em desvantagem nas pesquisas e enfrenta boicote do PSDB

 

RECIFE – Depois de duas horas de gravação, Jarbas Vasconcelos finalmente sai do estúdio, numa produtora de TV num bairro central do Recife. Tira a gravata e a camisa branca, que troca por uma xadrez, e mantém a calça jeans e o sapatênis com que já estava. Caminha para a bancada com panelas no refeitório dos fundos: “Tem a quantia certa?”, pergunta antes de se servir de cuscuz com carne, preocupado com os cabos eleitorais, que já estão jantando. São 18h30, e Jarbas ainda não almoçou. Nesse ritmo, e fumando uma carteira e meia de cigarro por dia (seu normal é uma), ele já perdeu 4 kg desde que se lançou ao governo de Pernambuco, no dia 6 de maio.

“Já gostei mais de campanha”, confessa o senador, conhecido pela sua franqueza. “Hoje isso tem se prostituído muito. Não tem mais coisas espontâneas, ir para a rua. Agora, o camarada pede emprego, dinheiro”, diz ele, referindo-se aos cabos eleitorais. “Antes tinha gente que ia na base do amor febril.” Retraído, Jarbas não gosta de gravar: “Você não fica à vontade. O texto não é seu. Grava, regrava, tem de olhar assim, está ruim, tem de sorrir”. Mas sabe que nessas gravações está a sua chance de reverter uma situação extremamente desfavorável.

Jarbas terá 6 minutos e 35 segundos no programa eleitoral, apenas 10 segundos a menos do que seu adversário, o governador Eduardo Campos (PSB); e 198 inserções na TV, ante 203. “Este é o momento crucial”, avalia. “Quem está em grande desvantagem numérica, como eu, tem de fazer programas de excelente qualidade e conteúdo.”

Ao longo de 40 anos de carreira, o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) se acostumou com o gosto da vitória. Já começou a carreira como deputado estadual mais bem votado, em 1970, e elegeu-se deputado federal, duas vezes prefeito, duas governador e senador – seu mandato atual, até 2014.

Prestes a completar 68 anos, no dia 23, Jarbas vive uma situação inusitada. A última pesquisa do Ibope atribui 60% das intenções de voto a Eduardo Campos, candidato à reeleição, e 24% ao senador. Pelo Datafolha, a vantagem é de 59% a 28%. Jarbas não pretendia entrar na disputa com Eduardo Campos, que completa 45 anos na terça-feira, o governador com a maior taxa de aprovação do País – 62% dos pernambucanos consideram seu governo ótimo ou bom, segundo o Datafolha. Mas cedeu aos pedidos insistentes do candidato José Serra, que queria seu apoio em Pernambuco. Entretanto, dos 17 prefeitos do PSDB, 14 debandaram para o governador.

Isso, apesar de o presidente nacional do PSDB e coordenador da campanha de Serra ser de Pernambuco, o senador Sérgio Guerra, que em 2006 queria ser candidato à sucessão de Jarbas, mas o então governador escolheu seu vice, Mendonça Filho, do DEM. “Não sou coronel para obrigar os prefeitos a apoiar Jarbas”, defende-se Guerra. “Não tenho tempo nem para cuidar da minha candidatura. Por isso saí a deputado federal. Não teria a mínima chance a senador.” À pergunta sobre se assegurar o apoio dos prefeitos tucanos não é sua função como coordenador de Serra, ele responde: “Todos os prefeitos do PSDB apoiam Serra. Eles estão com Eduardo e com Serra”.

Jarbas não pode contar nem com o partido que o levou a candidatar-se nem com o próprio partido, no qual é um dissidente, remanescente do PMDB “autêntico”. O presidente do PMDB, deputado Michel Temer (SP), é candidato a vice na chapa de Dilma Rousseff, e praticamente todo o partido aderiu ao governo.

A diferença de estrutura das duas campanhas é impressionante. Eduardo é acompanhado em suas caminhadas por dezenas de carros da campanha dele e dos candidatos a senadores, deputados federais e estaduais que o apoiam, além de vários ônibus lotados de cabos eleitorais remunerados. Jarbas conta com alguns poucos carros de candidatos a deputados.

“Já ingressei nessa disputa sabendo que ia enfrentar uma luta muito dura, muito desigual”, diz ele. “Isso não mexe com a minha cabeça. Vivo bem com o mundo. Não procuro estar na contramão.” Jarbas diz que o futebol é sua “válvula de escape”. Ele costuma ir ao estádio prestigiar o seu Sport Club do Recife, mas não está lhe servindo de consolo. Campeão da Copa do Brasil de 2008, o Sport está na série B nacional, beirando a zona de rebaixamento. Sua namorada, a ex-miss e modelo Meirielle Abrantes, completa 28 anos na sexta-feira, 13. Jarbas brinca com ela: “Se eu soubesse, não teria ficado contigo”.

“Em toda eleição, entramos para ganhar ou para perder”, continua. Mas reconhece que as outras foram diferentes: “Sempre entrava em eleições em condição mais tranquila, bem avaliado, com mais apoios”. Eduardo Campos “abusa da máquina”, acusa ele. “O governador faz cooptação de prefeitos e até de candidatos.” Eduardo nega. “A gente colhe o que planta”, diz, insinuando que Jarbas também cooptou quando foi candidato à reeleição, em 2002. “Estão nos apoiando pelas ações do meu governo. Recebo apoio dos que apoiavam meu avô”, acrescenta Eduardo, neto do ex-líder socialista Miguel Arraes, morto em 2005.

Jarbas faz uma pausa. “Não adianta eu estar me lamuriando para você, como se eu fosse um despreparado. Eu sabia que as dificuldades se avolumariam. Não posso estar exteriorizando isso, como desculpa ou pretexto”, repete ele, como que para si mesmo. “Eu sabia que o estilo do governo era esse, agora é lutar, mostrar determinação, fazer isso (os filmes para a TV).”

Jarbas explica que os empresários locais preferem ajudar o governador. “Acho profundamente constrangedor pedir dinheiro, principalmente para gente com quem não tenho intimidade.” Ele nega que tenha ido a São Paulo reclamar mais ajuda a Serra, como saiu publicado na imprensa. “Serra ficou de me ajudar e (a ajuda) tem chegado aqui. Eu sou daqueles que fazem campanha com o que têm. Só contratei o que estava previsto arrecadar.”

Embora a campanha de Serra seja em grande medida a razão de ser e o cordão umbilical da sua, Jarbas às vezes passa vários dias sem falar com o tucano. “Serra liga muito para saber como está.” Mas não todos os dias. Às vezes passa quatro, cinco dias sem ligar. Jarbas não toma a iniciativa. “Sempre imagino que uma pessoa como Serra, no papel que está exercendo…, fico constrangido de ligar, a não ser que seja uma coisa premente”, diz com simplicidade. “Sou tímido. Estranho, para um político, não?”


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