Chanceler libanês, integrante do Hezbollah, diz que o grupo não precisará mais de armas quando o Líbano tiver governo e Exército fortes
BEIRUTE – O Hezbollah não se deixa usar por ninguém. É ele que tem usado a Síria e o Irã para liberar território libanês. É o que afirma o ministro das Relações Exteriores do Líbano, o xiita Fawzi Salloukh, um dos três ministros do partido no governo. Em entrevista ao Estado, antes de receber seu colega brasileiro, Celso Amorim, Salloukh garantiu que o governo libanês é capaz de obter o desarmamento do Hezbollah. E previu que, dentro de uma semana, já haverá 20 mil soldados disponíveis para a nova força multinacional de paz no Líbano.
Muitos estão céticos quanto aos efeitos da resolução da ONU. O senhor acha que o cessar-fogo vai se manter?
Sim. A resolução 1701 foi positiva. Ela foi aprovada dentro da legalidade do Conselho de Segurança e nós a aceitamos, apesar das reservas que temos. E ela será implementada. Pedimos cessar-fogo imediato e abrangente, sem precondições, e a retirada imediata das tropas israelenses, de modo que o Exército libanês, apoiado pela Finul (força de observação da ONU), seja destacado para o Sul do Líbano.
Mas a ONU ainda não está pronta para mandar tropas suficientes.
A Finul tem cerca de 2 mil soldados. Eles podem assumir o controle, no lugar das forças israelenses, e depois o entregariam ao Exército. Muitos países indicaram-nos que podem enviar soldados o mais depressa possível. A Itália, por exemplo, dispôs-se a mandar 3 mil soldados. Creio que, em seis ou sete dias, teremos mais de 20 mil soldados aqui. E o Exército libanês tem outros 15 mil soldados prontos, esperando a ordem para iniciar o destacamento. Mas eles não serão destacados para lá a menos que as tropas israelenses se retirem para trás da linha azul (fronteira entre os dois países).
O senhor prevê que o Hezbollah seja completamente desarmado?
Isso é um problema interno. A questão das armas do Hezbollah foi brilhantemente tratada no Comitê Nacional. Discutimos o tema em duas ou três sessões. E decidiu-se continuar discutindo no dia 25 de julho. O encontro foi cancelado (por causa da guerra). O governo do Líbano, junto com o Hezbollah, podem facilmente resolver esse problema.
O senhor acha que o Hezbollah tende a tornar-se um partido político apenas, sem braço armado?
Claro. O Hezbollah é um partido político, é parte da sociedade libanesa. Discutimos o seu desarmamento no contexto da estratégia de defesa nacional, para tornar o Líbano capaz de se defender de qualquer ameaça externa. Quando tivermos um governo e um Exército libaneses fortes, as armas do Hezbollah não terão mais utilidade. Para isso, temos também que liberar as Fazendas de Shebaa (ocupadas por Israel). De acordo com a resolução, a questão das Fazendas de Shebaa está agora nas mãos do secretário-geral da ONU (Kofi Anan). Dentro de 30 dias, ele apresentará um relatório a respeito. Também queremos que Israel entregue os mapas das minas que plantou (no Sul do Líbano) e negociações para a troca de prisioneiros libaneses e israelenses. A resolução discrimina entre os dois. Não deve haver discriminações. Ambos têm a mesma dignidade. No segundo dia da captura desses dois soldados, o secretário-geral do Hezbollah, sua eminência Hassan Nasrallah, convidou as Nações Unidas a intermediar as negociações para a troca deles. Os israelenses não responderam, o que significa que a guerra não foi por causa da captura dos soldados. Mas foi uma guerra bem organizada, bem preparada, por um longo tempo. Estavam esperando a hora para lançá-la.
Mas era possível prever a reação de Israel, considerando o que tinha acontecido na Faixa de Gaza, onde reagiu com fúria à captura de um soldado, pelo Hamas.
Certo, eles reagiram furiosamente em Gaza, mas por acaso aquele soldado capturado pelos palestinos estava fazendo um passeio? Eles o arrancaram de um tanque de guerra. Os dois soldados capturados aqui também não estavam a passeio.
Se o Hezbollah for desarmado, o Irã e a Síria terão de encontrar uma nova forma de fazer política regional?
Os sírios deixaram muito claro que aceitarão o que o Líbano aceitar. O Irã está muito longe daqui. Temos excelentes relações com o Irã, como temos com o Brasil ou com a França.
Mas os iranianos estão usando o Hezbollah.
O Hezbollah não se deixa usar por ninguém. É o Hezbollah que tem usado a Síria e o Irã para liberar território libanês.
Como o Brasil pode ajudar?
O Brasil ajuda nos organismos internacionais, com apoio moral, e também poderá ajudar na reconstrução do Líbano. Estamos muito agradecidos pelo papel que o Brasil desempenhou no Conselho de Direitos Humanos (da ONU) em Genebra. O Brasil apoiou o Líbano e o Conselho aprovou no dia 7 uma resolução contra as ações militares de Israel.
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