Por Rogerio Christofoletti
Acabo de ler “O destino do jornal”, livro de Lourival Sant’Anna, editado pela Record. A leitura é rápida, o texto é claro e atraente, e o assunto – o leitor deste blog já sabe – me interessa muito. Mas para além dessas rápidas impressões, muitas outras coisas ficam dessa leitura.
A primeira delas é que o livro vem em boa hora, afinal é rara no Brasil a bibliografia que discute jornalismo pelo prisma de negócio, pela vertente mais mercadológica. Parece reinar entre nós um pudor ao tratar de notícias e informações como produtos. Como eu disse, há pouquíssimas obras que se debruçam sobre o nosso jornalismo sem melindres para analisá-lo pela ótica de um mercado, de uma indústria. Vém-me à cabeça o livro da Cremilda Medina – “Notícia: um produto à venda” -, mas que foi editado há pelo menos duas décadas. Outros títulos poderiam ser aqui citados, mas a ligação que faço entre “O destino do jornal” é com outro livro: “O papel do jornal”, de Alberto Dines.
Essa correspondência se faz para mim por algumas razões um tanto óbvias: os dois livros partem de ambientes de crise para discutir jornalismo, sua natureza e seu futuro. Os dois livros concentram-se nas empresas nacionais do ramo. Os dois livros já nasceram como clássicos porque, mesmo tratando de questões conjunturais, não deixam de considerar os aspectos estruturais que afetam o negócio do jornalismo. Se o gatilho de Dines havia sido a alta do papel de imprensa nos anos 70, o de Sant’Anna é a alardeada queda nas tiragens dos jornais, detectada no mundo todo, mas com algum respiro visível por aqui na última década.
É verdade que talvez o livro de Dines tenha mais perenidade que o de Sant’Anna, mas os dois volumes não apenas nos convidam a pensar em soluções para esse negócio de vender informações, como também nos incitam a discutir o próprio destino de um meio que sempre foi capital para as sociedades democráticas.
Aspectos como rentabilidade, equilíbrio contábil, busca de receitas e inovação tecnológica são tratados por Sant’Anna na mesma proporção de que se defrontam com “bens intangíveis”, como prestígio, credibilidade e fidelidade do leitor.
O livro de Dines nasceu de suas reflexões à época, enquanto que o de Sant’Anna é a versão livresca de sua dissertação de mestrado. Dines não foca sua análise num meio em especial, mas Sant’Anna se pergunta como três dos maiores jornais brasileiros – a Folha de S.Paulo, O Globo e O Estado de S.Paulo – vêm enfrentando um cenário de concorrência maior (com a web, as revistas e a TV a cabo), de mudanças nos hábitos de consumo dos leitores (queda no tempo de leitura e diminuição de tiragens pelo mundo afora) e de necessidade de adaptação e inovação tecnológica.
Outro dia, mencionei o livro de Philip Meyer – “Os jornais podem desaparecer?” -, ressaltando a necessidade de termos uma reflexão brasileira sobre essa transição de mídia tão ruidosa. Bem, o livro de Sant’Anna vem neste sentido, sem esgotar a questão, evidentemente. Poderá abrir espaço para novos lançamentos e discussões. O acento de Sant’Anna – entre o acadêmico e o profissional – também é muito bem vindo, já que essa oposição é improdutiva, preconceituosa e limitante.
Ontem mesmo, meu chapa PHSousa comentou a entrevista de Rosenthal Calmon Alves ao Estadão. PH escreve:
“Eu acho que devem abandonar o hard news, que fica para TV e internet. Os jornais de papel devem se voltar para reportagens menos factuais. O que você acha?”
Bem, não penso muito diferente, apesar de ter uma certeza: o problema é complexo. Isto é, diversas variáveis incidem na sobrevivência de alguns meios e na própria convivência das diferentes mídias. Não se pode deixar de lado, por exemplo, o conjunto de movimentos na audiência e nos hábitos de consumo. O Pew Research Center for the People and Press publicou esses dias um estudo muitíssimo interessante sobre as mudanças que a audiência vem exibindo a partir do desenvolvimento de novas mídias. O relatório da pesquisa, em suas 129 páginas, aponta para diversas “chaves” para o entendimento do cenário da mídia, a norte-americana, mas que pode se projetar por aqui também.
O estudo mostra que as notícias online ainda está em compasso de crescimento, mas mostra ainda que os consumidores de informação cruzam as mídias, buscam integrá-las em sua dieta informacional, entre outros aspectos.
Gestores e jornalistas precisam estar atentos a isso.
Ao mesmo tempo, ReadWriteWeb aponta para o NewsCred, sistema que promete distribuir as notícias com mais credibilidade, agregando conteúdos de diversos meios. É semelhante ao Digg e ao NewsTrust. Mas quem está por trás do NewsCred se apressa em mostrar as diferenças:
” We love Digg and other social ranking sites, but NewsCred is completely different. We are using technology and the ratings from our user community to select the most credible articles. NewsCred selects quality, while Digg presents popularity. This is a fundamental difference in our approach, and we feel this difference is what will change the way we access news content forever.
We’re taking content from traditional, mainstream new sources, combining them with established blogs, and selecting only the highest quality articles that are relevant to you. We’re throwing in some real innovation to make the selection and filtering process the easiest you’ll see on the web, and fun too. “
Esta é uma solução? Não sabemos ainda. O fato é que a corrida já está acelerada. Tem muita gente preocupada com o futuro dos jornais, com o presente da internet. O 7º Congresso Brasileiro de Jornais, que aconteceu esta semana, não se esquivou dessas questões. O discurso em uníssono é o de que qualidade e credibilidade andam juntas, mas deve -se atentar sempre para as questões de equilíbrio financeiro. Mesmo assim, os proprietários de jornais têm sorrido de orelha a orelha. A carta de abertura do evento, dirigida aos empresários do setor, não poderia ser mais otimista:
” Depois do excelente desempenho do ano passado, quando tiveram aumento de circulação de 11,80% e subiram sua participação no bolo publicitário para 16,28%, os jornais brasileiros continuam a exibir números muito positivos. O mais recente levantamento do Projeto Inter-Meios, principal referência do mercado brasileiro, mostrou que no primeiro trimestre de 2008 os investimentos publicitários nos jornais cresceram 23,72%, comparando-se com igual período do ano passado. Com isso, em março a fatia dos jornais no bolo publicitário chegou a 19,40%. “
Então, o livro de Lourival Sant’Anna está vendo fantasmas onde eles não existem?
Claro que não. O livro traz alertas, coloca o dedo nas feridas e deixa nervos expostos. O mercado brasileiro não está isolado numa bolha de prosperidade, blindado contra crises. Há questões estruturais que já afetam a indústria dos jornais por aqui. Sant’Anna não é o arauto do apocalipse, mas está de olho.
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