Por uma história bem contada

Por Matías M. Molina

Empresas extremamente prósperas do mundo da comunicação, como a Google e a Yahoo!, não empregam repórteres nem têm correspondentes e nunca apuraram uma única notícia. Mas ganham muito dinheiro distribuindo as informações obtidas, com altos custos, por outras empresas, como os jornais – sem pagar nada por elas. Este é um dos paradoxos da atual revolução tecnológica.

Alguns observadores, nem todos desinteressados, se apressaram a vaticinar o fim dos jornais. Bill Gates, da Microsoft, anunciou no começo da década de 1990 que, no prazo de dez anos, os diários desapareceriam, para desprestígio de sua bola de cristal. Periodicamente, novos profetas prevêem, no curto prazo, um mundo sem imprensa escrita, substituída por bits e bytes.

Realmente, a internet afeta não apenas as empresas jornalísticas. O que se profetiza precipitadamente como um futuro sem diários escritos em papel é, na verdade, uma profunda revolução que está mudando, rápida e caoticamente, todo o panorama global da informação e do entretenimento. Os jornais e também revistas, rádio, TV aberta e paga, livros, fonografia, cinema, espetáculos e até a maneira de escrever cartas.

Lourival Sant’Anna, repórter especial de O Estado de S. Paulo, recolhe este tema no livro O Destino do Jornal. É um desdobramento da tese de mestrado defendida em 2007. Ele mostra um panorama da imprensa brasileira, vasculha o que é publicado no exterior e ouve diversos jornalistas e especialistas, mas seu objetivo principal é avaliar qual será o destino da imprensa e, em particular, de três jornais que ele considera os melhores do Brasil, “no sentido qualitativo”: Folha de S. Paulo, O Globo e O Estado de S. Paulo. Formam, segundo o autor, um conjunto relativamente homogêneo.

Sant’Anna levanta dados que apontam um declínio da imprensa diária no Brasil. A penetração dos jornais caiu. Em 2001 eram publicados 60,6 exemplares por mil pessoas; em 2005, esse número tinha caído para 43,3. Talvez mais expressivo seja o declínio da circulação. Em 2000 eram vendidos 7,8 milhões de cópias por dia; em 2006, 7,23 milhões. Como o número de jornais diários passou de 491 para 532 em 2006, “o dado sugere aumento no número de jornais de menor circulação”.

Registra também a drástica queda no “faturamento bruto dos jornais”, em valores corrigidos, de R$ 3,59 bilhões em 2000 para R$ 2,32 bilhões (2004), devido à migração da publicidade para outras mídias. (Na verdade, não se trata de “faturamento bruto”, mas de vendas de anúncios, uma vez que não inclui as receitas com assinaturas e venda em bancas.)

Entrevistas com leitores definem o jornal como “o meio de comunicação mais completo e investigativo, que estimula a pensar”. Mas também é considerado “chato de ler” embora seja “educativo”. Há menções à dificuldade de leitura, “em razão de como a notícia é escrita”, a “linguagem é considerada pesada”, “às vezes você não entende o que quer dizer de forma objetiva” e alguns lêem “por obrigação, mesmo”. O livro constata que houve um florescimento dos jornais locais, de menor porte, em detrimento dos de circulação nacional.

O ponto alto da obra são as entrevistas com os responsáveis pelas redações dos três jornais realizadas no fim de 2005. Obviamente, nenhum deles acredita que o jornal vai acabar, embora esperem tempos difíceis pela frente. Eles atribuem a queda da circulação no início desta década aos excessos cometidos nos anos de 1990, quando as empresas exageraram nas promoções, oferecendo ao leitor “anabolizantes” na forma de coleções de livros, fascículos, filmes, CDs. Como diz o diretor da Folha, Otavio Frias Filho, “a política de promoções se esgotou”. Acreditam que os atuais níveis de circulação têm bases mais realistas. Sandro Vaia, ex-diretor de O Estado de S. Paulo, vê a queda da venda como uma tendência mais ou menos inexorável. Rodolfo Fernandes, de O Globo, afirma que o jornal não vai ser mais mídia de massa.

Os três diretores reconhecem que houve excessos nas redações nas décadas anteriores. Na Copa do Mundo em 1998, a Folha destacou para a França 32 jornalistas. “Uma loucura”, diz seu diretor. Após a profunda crise da imprensa no início desta década, que levou as empresas a vender ativos e fazer demissões, os três jornais não só recuperaram a saúde econômica, como alcançaram seus maiores índices de rentabilidade.

Onde os três jornais divergem é na política de circulação. Enquanto o objetivo da Folha é investir para ter amplo raio de circulação, em lugar de limitar seu alcance às áreas contíguas à cidade de São Paulo, O Globo “tem como sua definição estratégica ser um jornal da classe média do Rio, com prestígio e repercussão nacional”, afirma seu diretor. O Estado priorizou a circulação na cidade de São Paulo e reduziu a penetração no interior do Estado e, sobretudo, no restante do País, a um mínimo percebido como o necessário para manter sua característica de jornal de projeção nacional. Sandro Vaia afirmou que a empresa estava revendo essa decisão.

Dois especialistas entrevistados anunciam o fim do jornal, o que podia ser esperado, pois eles se concentram, profissionalmente, nos meios eletrônicos. Mas Ramón Salaverría, do Laboratório de Comunicação Multimídia da Universidade de Navarra, reconhece a incapacidade dos veículos “online” de investir na produção de conteúdo de qualidade. Segundo Nicholas Negroponte, do Laboratório de Mídia do MIT, “o que está morto é o papel, não a notícia”. E demonstra impaciência com a durabilidade da palavra impressa: “O fato de que ainda se faça em papel é meio intrigante, mas será descontinuado rapidamente.” Trata-se de uma profecia que poderá fazer companhia às previsões de Bill Gates.

Um dos atrativos dessa obra é a ausência de estridência. O autor, em lugar de gritar ou de pregar, prefere pesquisar, ouvir e analisar. É de se lamentar que as reduzidas dimensões do livro impeçam um debate mais aprofundado sobre a interligação do jornal em papel e “online”, que parece ser a tendência da imprensa pelo menos em um futuro de médio prazo.

É provável que se Sant’Anna realizasse hoje suas pesquisas, o panorama da imprensa brasileira mostrado no livro fosse bem diferente. No ano passado, por exemplo, a circulação dos jornais, de 8,07 milhões de exemplares por dia, foi a mais elevada de todos os tempos. E a receita com publicidade chegou em 2007 a R$ 3,11 bilhões, 15,2% acima do ano anterior; no primeiro trimestre deste ano cresceu 23,7%. Os jornais nunca ganharam tanto dinheiro.

Mas o futuro permanece incerto. A decisão, tomada anos atrás por motivos de custos, de reduzir a circulação além de um curto raio em torno de suas sedes, afeta sua influência e sua capacidade de participar da agenda de debates nacional, que é seu principal objetivo. Existe tecnologia disponível, mas o Brasil não tem hoje nenhum jornal que circule realmente em todo o País, embora os três aleguem ter “repercussão nacional”.

Outro fator decisivo para o futuro é a utilização do prestígio conseguido pelo jornal impresso para conquistar um espaço na internet. É o que estão fazendo jornais como The Wall Street Journal, The New York Times, The Guardian ou El País e El Mundo. Os diários brasileiros ainda se mostram tímidos no desenvolvimento da edição digital, que requer elevados investimentos sem retorno imediato. Mas eles têm a percepção de que a melhor resposta aos problemas atuais é apostar na qualidade e oferecer ao leitor “textos intelectualmente sofisticados, que tratem a notícia de forma multidimensional”, com diz Sant’Anna. Eu acrescentaria a importância de redescobrir a narrativa. Bernard Kilgore, o grande editor do The Wall Street Journal, disse que as narrativas de Homero, Ovídio e Mark Twain – eu acrescentaria Euclides da Cunha no Brasil – ainda são lidas hoje. Todo mundo gosta de uma história bem contada.

Publicado no Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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