O senador Bernie Sanders, autodeclarado um “socialista democrata”, construiu sua carreira com a ajuda dos sindicatos. Em 2016, no entanto, parte dessa base migrou do Partido Democrata para Donald Trump, com sua promessa de reverter o deslocamento de fábricas dos Estados Unidos para a China e outros países. Sanders prometeu algo parecido, mas Trump foi mais convincente de que entregaria mais atividade econômica.
Neste ano, esse distanciamento está se aprofundando. A proposta mais importante de Sanders é o serviço público de saúde para todos. Entretanto, nos últimos anos, vários sindicatos conquistaram, em penosas negociações, o direito para seus filiados a planos de saúde bancados pelas empresas, como acontece no Brasil.
Essas conquistas se tornaram a principal razão de existência dos sindicatos. Portanto, o plano de Sanders de saúde pública universal, inédito nos Estados Unidos, entra em conflito com o interesse dos sindicatos de se mostrar relevantes para os filiados, que os sustentam com suas contribuições. As lideranças de alguns sindicatos têm orientado seus filiados a não apoiar Sanders.
O senador argumenta que a sua proposta é boa até mesmo para quem foi beneficiado pelos acordos. Os empregadores deixariam de gastar milhares de dólares com os planos de saúde, que poderiam ser destinados aos trabalhadores, na forma de salários e outros benefícios. Uma parte desse eleitorado concorda, e considera que seria melhor ter saúde para todos. Outra parte teme perder um direito em troca de algo que pode não funcionar.
Sanders tem sido beneficiado por ser o mais “sangue puro” de esquerda, entre os candidatos. E pela disputa no campo moderado, que acaba de ficar ainda mais acirrada, com a entrada do empresário Michael Bloomberg, ex-prefeito de Nova York pelo Partido Republicano.
A senadora Elizabeth Warren também defende saúde universal. Em outros temas ela mantém uma posição ligeiramente menos hostil à iniciativa privada. Ambos têm, por exemplo, propostas de participação obrigatória de representantes dos trabalhadores nos conselhos das grandes empresas — 45% no caso de Sanders e 40%, no de Warren. Essa posição tira o voto moderado de Warren sem lhe dar o voto radical, que vai para Sanders.
Na média das pesquisas nacionais para as primárias democratas, Warren, ex-professora de direito comercial em Harvard, figura em quarto lugar, com 13%, atrás de Sanders, com 29%, do ex-vice-presidente Joe Biden, com 17%, e de Bloomberg, com 15%.
Biden estava em primeiro lugar, com o dobro das preferências, no mês passado. Aos 77 anos, sua queda livre tem relação com sua aparente falta de energia e de foco nos debates e comícios, que cria dúvidas nos democratas sobre sua capacidade de derrotar Trump. E essa é a prioridade deles.
Bloomberg, a 12.ª pessoa mais rica do mundo, com US$ 60 bilhões de fortuna, foi muito atacado pelos outros candidatos democratas no debate de quarta-feira, por casos de assédio contra mulheres em sua empresa, pelas revistas policiais concentradas em negros e latinos na sua gestão em Nova York (2002-2013) e pelo fato de ser bilionário.
Aos 78 anos, Bloomberg não demonstrou agilidade para responder a essas críticas. Ele poderia ter argumentado que é um grande doador para o movimento Me Too, contra o assédio a mulheres, e para entidades de direitos dos negros e outras minorias. Mas manteve uma posição distante, como se nada o atingisse, que tem mais a ver com a condição de bilionário que de candidato.
Foi apenas o primeiro debate dele, e isso pode mudar. A grande vantagem de Bloomberg é que ele tem mais rejeição entre os democratas do que entre independentes indecisos e republicanos descontentes com Trump. E é esse voto que um candidato democrata precisa conquistar. O dos democratas já está garantido.