A reaproximação Brasil-EUA

O gesto do presidente eleito Jair Bolsonaro de bater continência para o chefe do Conselho de Segurança Nacional dos EUA, John Bolton, não deve ser super-valorizado nem ignorado. Gestos importam. Enquanto as palavras passam por um cálculo intelectual, os gestos estão mais diretamente relacionados à esfera emocional. Por isso, tendem a ser considerados mais espontâneos e verdadeiros.

A continência teve um ar mais descontraído do que formal, assim como o ambiente do encontro de uma hora, na casa do presidente eleito. Bolton, por sinal, não retribuiu, até porque não é militar. Durante a Guerra do Vietnã, ele se alistou na Guarda Nacional, e depois entrou para a reserva do Exército — dois artifícios usados na época para evitar a convocação.

Com a continência, Bolsonaro sublinhou o fato de que um dos principais temas do encontro era a segurança na região — principalmente, a crise na Venezuela. E de que ali estava reunida, como observaria Bolton mais tarde, “a equipe de segurança nacional” do presidente eleito: os futuros ministros da Defesa, do Gabinete de Segurança Institucional e das Relações Exteriores.

Depois da reunião, Bolsonaro enfatizou: “Vai ser difícil tirar a Venezuela da situação em que se encontra, mas nós aqui faremos o possível pelas vias legais e pacíficas”. Entretanto, há precedentes, tanto da parte do governo de Donald Trump quanto do entorno do presidente eleito, incluindo seu filho Eduardo Bolsonaro, deputado federal, de cogitar usar a força para apear os chavistas do poder.

Livrar os venezuelanos da repressão autoritária e do flagelo humanitário a que estão submetidos é um desejo de todo observador que tenha alguma sensibilidade humana e não esteja cego pela ideologia. E a Venezuela é, sem dúvida, o principal fator de instabilidade da região. 

Mas alimentar as suspeitas de que outros países estejam tramando uma intervenção militar reforça a posição dos chavistas, que justificam sua inépcia econômica e brutalidade contra a oposição argumentando que a Venezuela é alvo de “guerra econômica” e “imperialismo”.

Os oposicionistas venezuelanos pedem que a comunidade internacional pressione politicamente o regime e adote sanções individuais contra seus dirigentes — coisa que o Brasil tem recusado, e deve fazer. Mas não lance mão de embargo comercial nem muito menos fale em ação militar.

Durante a semana, Eduardo Bolsonaro foi recebido por pessoas influentes no governo Trump, incluindo seu genro e conselheiro Jared Kushner, os senadores republicanos Ted Cruz e Marco Rubio e secretários-adjuntos de Estado e do Tesouro. Em outro gesto significativo, o deputado se deixou fotografar com um boné da campanha da reeleição de Trump em 2020, e os dizeres “América Primeiro”.

O futuro governo brasileiro não pode esquecer que os democratas recuperaram a maioria na Câmara dos Deputados e disputarão a eleição presidencial em 2020. Em política externa, aproximar-se de um país não implica aliar-se ao governo local. O PT cometeu o mesmo erro, em relação à Venezuela.

Thomas Shannon, ex-embaixador americano em Brasília, reconheceu na quinta-feira, durante seminário no Instituto FHC, que Trump dá importância à chance de estreitar a cooperação com o Brasil. O fato de Bolton ter passado pelo Rio para se encontrar com Bolsonaro, a caminho da reunião do G-20 em Buenos Aires, é prova disso.

Além da Venezuela, outra frente importante é a pressão para que a China obedeça às regras do comércio e da propriedade intelectual. Há interesses comuns, e uma pauta bilateral carregada de questões a serem negociadas, no comércio e nos investimentos.

Para que essa aproximação seja produtiva, é preciso que a Casa Branca valorize e leve a sério o Palácio do Planalto. E nisso os gestos contarão tanto quanto as palavras.

Publicado no Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

 

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