A saída de John Bolton

A saída de John Bolton do Conselho de Segurança Nacional (CSN) é reveladora da estratégia de Donald Trump para buscar a reeleição e de seus métodos de gestão.

Bolton é um representante da corrente do establishment chamada nos EUA de “falcões”. Eles consideram que a hegemonia americana deve ser salvaguardada por meio do poderio militar. 

Com a nomeação de Bolton, há 17 meses, a balança do governo Trump parecia pender para ações militares e não para negociações. O ex-embaixador na ONU e comentarista da Fox News defendia ação militar para mudar o regime no Irã, identificava a Rússia como maior adversário dos EUA e não estavam em seus cálculos negociações com a Coreia do Norte e com o Taleban.

Bolton era um nome coerente com as posições de seu chefe em relação a todos esses temas, naquele momento. Não por muito tempo. Logo começou a tomar corpo a ideia da primeira reunião de cúpula com Kim Jong-un. Com o tempo, Trump foi contradizendo, um a um, todos os pressupostos de seu conselheiro de Segurança Nacional. 

Reuniu-se três vezes com Kim. Ofereceu retirar 8.600 dos 14 mil militares do Afeganistão como parte de um acordo com o Taleban, sem exigir sequer um cessar-fogo. Na reunião do G-7, há três semanas, propôs a volta da Rússia ao grupo. Ainda demonstrou interesse no plano do presidente francês, Emmanuel Macron, de promover um encontro dele com o iraniano Hassan Rouhani, durante a Assembleia Geral da ONU, dia 24.

Trump não mudou de ideia. Ele apenas segue o seu próprio roteiro. Acredita que, para negociar numa posição de força e obter o que quer, precisa, primeiro, convencer o inimigo do custo elevado de não ceder: 2018, por exemplo, foi o ano em que os EUA despejaram mais bombas sobre o Afeganistão —- mais de 5 mil —- desde a invasão de 2001. Antes da reunião de cúpula, Trump avisou que seu botão nuclear era maior que o de Kim. 

Antes de propor a restauração do G-8, deixou que os acordos de não-proliferação nuclear firmados há décadas com a Rússia expirassem. As negociações com o Irã só são necessárias porque Trump rompeu unilateralmente o acordo nuclear, apesar das tentativas dos europeus de renegociá-lo. Trump também defendeu a mudança de regime no Irã.

Mas o tempo passou. Estamos nos aproximando das eleições presidenciais de novembro do ano que vem. Chegou a hora de cumprir as promessas de livrar os EUA das chamadas “guerras sem fim”, do desperdício de vidas americanas e de dinheiro do contribuinte. 

Guerras só unem os americanos em torno do presidente quando estão no campo da ameaça ou no começo. Com o passar dos anos, os americanos se lembram do quanto elas são penosas, e tendem a punir eleitoralmente o governante que se demora nelas mais tempo do que lhes parece necessário. A promessa de se retirar do Iraque foi decisiva na eleição de Barack Obama em 2008.

Mike Pompeo (E) e John Bolton (D) divergiam em estilo e temperamento Foto: Kevin Lamarque/Reuters

A saída de Bolton foi determinada pelo calendário eleitoral. O secretário de Estado, Mike Pompeo, não pensa diferente dele, mas é mais maleável, mais disposto a seguir Trump.

Bolton diz que pediu demissão na noite de segunda-feira, e que Trump respondeu: “Vamos falar disso amanhã”. E o demitiu pelo Twitter. Isso é parte de sua economia narcísica. O presidente declarou depois que o trabalho no CSN é muito fácil, porque quem decide tudo é ele, Trump. É verdade. No método Trump, não há lugar para processos de tomadas de decisão orientados por conhecimento técnico.

Existe um problema: os adversários dos EUA observam o quanto Trump precisa agora entregar acordos ao eleitorado americano. Vão cobrar caro por eles. Ou seja, não farão concessões reais. Para Trump, é só uma questão de narrativa. Afinal, a única coisa que havia de errado no acordo nuclear iraniano é que não tinha sido firmado por ele, Trump.

Publicado no Estadão. Copyright: O Estado de S. Paulo. Todos os direitos reservados.

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