O presidente interino proclamado pela Assembleia Nacional, Juan Guaidó, fez um giro pelos países da região neste fim de semana, para medir o alcance do apoio dos governos favoráveis à sua causa. Do presidente Jair Bolsonaro, ouviu: “Apoiamos todas as resoluções do Grupo de Lima” e “Não pouparemos esforços dentro da legalidade e de nossas tradições para restabelecer a democracia na Venezuela”.
Essas duas frases, apesar de seu tom solidário, encerram um importante limite para a oposição venezuelana: o Brasil não apoiará uma intervenção militar na Venezuela. A posição do Brasil e de seus vizinhos certamente não surpreendeu Guaidó e seus aliados, mas os frustrou. No domingo passado, Julio Borges, representante de Guaidó na Colômbia, adiantou que o presidente interino pediria uma intervenção militar na reunião do Grupo de Lima, que se realizou na segunda-feira em Bogotá.
No encontro, no entanto, os 14 membros do grupo, entre eles o Brasil, colocaram-se contra a intervenção. Só o vice-presidente dos Estados Unidos, Mike Pence, continuou afirmando que “todas as opções estão sobre a mesa”, a formulação convencional para ameaçar com ação armada de forma implícita. Os EUA não integram o grupo, e participaram como observadores.
A ameaça de intervenção militar é uma carta importante no jogo de Guaidó. O objetivo, tanto dos americanos quanto da oposição venezuelana, não é usá-la, por causa do custo potencialmente alto em vidas humanas de todos os lados.
Mas a ameaça precisa se manter crível, para surtir o efeito desejado: o de pressionar os generais venezuelanos a mudar de lado. Guaidó afirmou em Assunção que os desertores já somavam 600. É um número expressivo, mas eles não ocupavam posições estratégicas de comando. A maioria dos generais e coronéis venezuelanos não parece efusiva no seu apoio ao regime. Ao contrário. O seu silêncio é eloquente. Mas até este momento os chavistas contam com sua proteção.
A adesão dos comandantes é importante desde que se mantenha a cadeia de comando. E é ela que tende a ruir. Muitos majores, tenentes-coronéis e coronéis obedeciam aos generais na esperança de um dia se tornar um deles e enriquecer com o controle das lucrativas operações comerciais que Maduro lhes transferiu em troca de apoio. A cada dia que passa, isso se torna mais improvável: com as sanções financeiras americanas, a fonte dos dólares está secando. Nenhum banco ou trading, nem mesmo russos ou chineses, tem demonstrado apetite em furar o bloqueio americano e com isso se tornar eles próprios alvos desse bloqueio. Sem dólares, a Venezuela vai perdendo condição de importar alimentos e gasolina — que ela não produz, apesar de ter as maiores reservas de petróleo do mundo.
O governo Maduro terá de demonstrar uma capacidade extraordinária de abrir canais de acesso ao dinheiro e aos produtos de primeira necessidade. A Coreia do Norte conseguiu isso, mas há uma diferença geográfica importante: ela é vizinha da China e da Rússia, que a têm ajudado a receber clandestinamente alimentos e petróleo. A Venezuela está muito longe desses seus benfeitores. Cuba tem o mesmo problema, mas os seus militares estão adaptados à penúria e se alimentam de um fervor ideológico que não existe na Venezuela.
Será preciso que os oficiais venezuelanos tenham mais medo das punições do próximo governo do que da pobreza para que eles apoiem o regime. Cabe a Guaidó reforçar as garantias de anistia a eles, como ele tem procurado fazer. Não é uma tarefa fácil, diante do ódio que a maioria da população tem desse regime. Mas Guaidó goza de um enorme capital político. Muitos venezuelanos com quem conversei no fim de semana passado em Caracas me disseram que ele é a última esperança deles. Guaidó terá de saber usar esse capital não para excluir os oponentes, mas para reconciliar os venezuelanos.
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