O que fazer com a Venezuela tem sido o maior dilema da política externa brasileira
O que fazer com a Venezuela tem sido o maior dilema da política externa brasileira desde que o presidente Michel Temer assumiu o cargo interinamente, em maio do ano passado. A partir da votação do impeachment de Dilma Rousseff pela Câmara dos Deputados, o governo brasileiro tem sido implacavelmente hostilizado pela verborragia do presidente Nicolás Maduro e de sua então chanceler, Delcy Rodríguez, que deixou o cargo recentemente para se candidatar à Assembleia Constituinte.
Quando da votação na Câmara, Maduro chamou de volta seu embaixador em Brasília, Alberto Castellar, que depois acabou retornando. Com a destituição definitiva de Dilma, em 31 de agosto, Maduro retirou Castellar de vez, deixando a representação sem embaixador até hoje. Seguindo a regra da reciprocidade, o Brasil também chamou de volta seu embaixador em Caracas, Ruy Pereira. Paralelamente, o Brasil liderou a decisão de suspensão da Venezuela do Mercosul, por não atender aos princípios democráticos e comerciais do bloco.
Entretanto, um mês depois de Maduro assinar o decreto convocando a eleição da Assembleia Constituinte, considerada espúria pela oposição venezuelana e por boa parte da comunidade internacional, incluindo o próprio Brasil, Pereira reassumiu seu posto em Caracas no dia 5 de julho. Foi uma medida unilateral, já que a embaixada venezuelana em Brasília continua acéfala.
Nomeado por Dilma, Pereira não se entrincheirou no sexto andar do Centro Gerencial Moedano, sede da embaixada brasileira. Ao contrário. Desde que chegou, reuniu-se ao menos três vezes com o vice-chanceler venezuelano para América Latina, Alexander Yánez. E está esperando a oportunidade de se encontrar com o novo chanceler, Jorge Arreaza, nomeado na quarta-feira por Maduro.
Pragmatismo
Diferentemente do que acontecia sob a gestão de José Serra, que batia boca com o governo da Venezuela, devolvendo as acusações de governo antidemocrático, o Itamaraty de Aloysio Nunes Ferreira tem evitado atacar o regime, marcando de forma contida suas posições contra a Assembleia Constituinte e a repressão às manifestações. Esse esforço de não queimar a ponte com a Venezuela tem duas razões interligadas, uma de ordem econômica e outra, política.
Mesmo no caos em que se encontra mergulhada, a Venezuela representa oportunidades de negócios para empresas brasileiras. Há um acordo, por exemplo, proposto no ano passado por sojicultores e empresas de logística de Roraima, de levar soja para a Venezuela e voltar com ureia, atualmente trazida de São Paulo. A soja escoará então pelos portos venezuelanos de águas profundas no Caribe, que recebem navios maiores que em Manaus. O negócio ainda não foi posto em prática em razão do atraso na entrada em operação da usina que produzirá a ureia na Venezuela, o que deve acontecer neste semestre.
O Brasil importa nafta usada na composição do diesel menos poluente e exporta o frango usado nas cestas básicas distribuídas pelo governo venezuelano, além de produtos manufaturados.
Politicamente, o Brasil considera que não se pode pensar na integração da América do Sul sem a Venezuela. Mesmo com a suspensão do país pelo Mercosul, os acordos de livre-comércio continuam valendo. Além disso, o Brasil deseja desempenhar um papel compatível com sua posição de líder regional em uma eventual negociação entre governo e oposição na Venezuela.
As tentativas até agora, envolvendo o Vaticano e a Espanha, fracassaram. Nada disso parece muito intuitivo, no quadro da polarização e ideologização que engolfa todos os debates no Brasil. Mas política externa se faz com o cérebro, não com o fígado.
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