A política externa brasileira teve na última semana um momento de pragmatismo e outro de imaturidade. O presidente Jair Bolsonaro voltou de uma viagem coroada de êxito ao Japão, China, Emirados Árabes Unidos, Catar e Arábia Saudita. Em Brasília, anunciou que não irá à posse de Alberto Fernández na Argentina. Parece que o ar do Planalto reacende seus instintos infantis.
Não que a passagem pelos países árabes tenha sido impecável. Aparentemente deslumbrado pelo encontro com o herdeiro do trono saudita, Bolsonaro soltou: “Todo mundo gostaria de passar a tarde com um príncipe. Principalmente vocês, mulheres”. Ele se referia a Mohamed bin Salman, que admitiu sua responsabilidade no esquartejamento do jornalista saudita Jamal Khashoggi, crítico do governo.
Fora isso, o giro foi um sucesso. Com destaque para a China, importante parceiro comercial e investidor no Brasil. Bolsonaro deixou claro que sua proximidade com o presidente Donald Trump não significa que o Brasil tomará partido na guerra comercial EUA–China. E colocou a parceria com a China entre as prioridades da política externa, que é o seu lugar.
O presidente fechou acordos com as monarquias árabes do Golfo Pérsico, construindo sobre o alicerce lançado pelo Itamaraty e pela ministra da Agricultura, Tereza Cristina. Ela esteve recentemente no Golfo e no Egito, refazendo as pontes queimadas pela intenção de Bolsonaro de transferir a embaixada do Brasil para Jerusalém.
Tudo isso revela capacidade de se esquivar dos campos minados e de obter resultados em curto espaço de tempo. Exatamente o oposto do que acontece com outro importante parceiro do Brasil.
Alberto Fernández e Cristina Kirchner representam um desastre para a Argentina. Isso ficou provado nos governos de Néstor Kirchner e de sua mulher, Cristina, entre 2003 e 2015. Embora uma Argentina dilapidada seja ruim para o Brasil, só restava ao presidente brasileiro respirar fundo enquanto os argentinos decidem seu destino.
Bolsonaro, no entanto, fez declarações agressivas sobre a perspectiva da volta da esquerda ao poder, associando-a à corrupção e à incompetência. O que é verdadeiro. Mas não cabe ao presidente de outro país denunciar.
Fernández é um provocador. Ele visitou o ex-presidente Lula na cadeia em Curitiba em julho do ano passado, e saiu dizendo que, na condição de professor de direito penal, considerava sua prisão ilegal.
O argentino parece obcecado por Lula. Na noite de domingo passado, em vez de focar na celebração de sua eleição já no primeiro turno, ele se fotografou com outras pessoas fazendo com o polegar e o indicador um “L” de “Lula livre”. E publicou uma carta que recebeu de Lula.
Tudo isso é impróprio. Mas merecia uma resposta serena e altiva do governo brasileiro. Para não dignificar uma provocação, o Ministério das Relações Exteriores deveria ter emitido uma nota, sem assinatura do chanceler, apenas para recolocar os fatos: o Brasil é um Estado de Direito, Lula teve amplo direito de defesa, e o governo brasileiro não aceita ingerências em seus assuntos, assim como não interfere nos de outros países. Ponto.
Escrevo da Etiópia. Aqui, o primeiro-ministro Abiy Ahmed acaba de ganhar o Prêmio Nobel da Paz por ter feito um acordo com a Eritreia. Ahmed não tem a menor admiração pelo ditador da Eritreia, Isaias Afwerki. Mas fez o que era melhor para seu país.
Bolsonaro se mostra vulnerável a provocações. Que ele seja assim na vida pessoal, é problema dele. Mas se torna problema de todos os brasileiros quando esse descontrole prejudica os interesses do País. Já perdemos tempo demais fechados ao comércio. Precisamos da Argentina para desatar o nó do protecionismo, enquanto estivermos presos na Tarifa Externa Comum do Mercosul. Então Bolsonaro precisa tapar o nariz e lidar com a dupla populista da Casa Rosada.
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