Desde a queda de Fujimori, em 2000, e a eleição no ano seguinte de Alejandro Toledo, um economista formado em Stanford, o Peru tem feito um esforço consistente de organização de sua economia e instituições
Como parte de um acordo obsceno que o livrou do impeachment, o presidente peruano, Pedro Pablo Kuczynski, indultou o ex-presidente Alberto Fujimori, condenado em 2009 a 25 anos de prisão por violações de direitos humanos e a 7 por corrupção.
A trama é um exemplo acabado de uma regra: a combinação de democracia e economia de livre mercado tem de vir acompanhada de um sólido sistema de transparência nas relações público-privado, sob pena de sucumbir à corrupção.
Desde a queda de Fujimori, em 2000, e a eleição no ano seguinte de Alejandro Toledo, um economista formado em Stanford, o Peru tem feito um esforço consistente de organização de sua economia e instituições.
Esse trabalho foi continuado por Alan García, um ex-populista que tivera um primeiro mandato desastroso nos anos 80, levando o Peru à hiperinflação, mas que aprendeu com seus erros e abraçou a ortodoxia econômica.
Depois veio Ollanta Humala, um ex-tenente-coronel nacionalista de esquerda, que por essas credenciais parecia predestinado a imitar o venezuelano Hugo Chávez, mas em vez disso deu prosseguimento à modernização do país. Ela incluiu o aperfeiçoamento da regulação do setor mineral. A estabilidade jurídica resultante atraiu mais investimentos.
Graças a isso, o Peru registrou índices de crescimento invejáveis: 11,4% (2006), 12,1% (2007) e 13,6% (2008). Como todo o mundo, ele foi arrastado pela crise financeira. Seu PIB encolheu 3,3% em 2009. Entretanto, recuperou-se rapidamente: cresceu 14,9% (2010), 7,7% (2011) e 7,3% (2012 e 2013). Voltou a cair com a nova desaceleração mundial em 2014 (2,2%), 2015 (2,9%) e 2016 (1,1%), mas sempre com índices positivos.
A eleição em 2016 de Kuczynski parecia coroar esse processo. PPK, como é conhecido, foi economista do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional, antes de assumir o Ministério da Economia no governo de Alejandro Toledo.
Ele derrotou Keiko Fujimori no segundo turno pela apertadíssima margem de 50,12% a 49,88%. Embora carismática e popular, Keiko segue, na economia, a cartilha ortodoxa de PPK e de seus antecessores.
A sólida maioria do partido de Keiko, Força Popular, com 71 das 130 cadeiras no Parlamento unicameral, significou uma espada sobre a cabeça de PPK. Keiko demonstrou sua força com um voto de desconfiança, que obrigou o presidente a mudar o primeiro-ministro e o gabinete. Mesmo assim, Kuczynski manteve sua política econômica.
A onda virou quando as delações da Odebrecht aterrissaram no Ministério Público e no Parlamento peruanos. Todos os presidentes a partir de Toledo foram envolvidos no escândalo. PPK foi acusado de receber US$ 4,8 milhões em propinas, quando integrava o governo de Toledo.
Crise política. Encabeçado pela Frente Popular, o impeachment parecia certo. Mas o acerto com o deputado Kenji Fujimori, irmão de Keiko, sobre o indulto de seu pai, retirou do partido dez votos. Além disso, parte da esquerda se absteve, para evitar que os fujimoristas chegassem ao poder. Foram 79 votos a favor, 19 contra e 21 abstenções. Eram necessários 87.
No início da semana, o líder do partido de esquerda Terra e Liberdade, deputado Marco Arana, anunciou novo pedido de impeachment, em razão do indulto. Mas sua bancada só tem dez cadeiras, e esse pedido não deve prosperar.
Kenji Fujimori seguirá apoiando o governo Kuczynski e é provável que sua corrente cresça a partir de agora. Mas PPK está desmoralizado, e mais revelações podem aparecer, quando o diretor da Odebrecht no Peru, Jorge Barata, depuser.
Tudo isso só está acontecendo porque o Peru é uma democracia. É uma perigosa ingenuidade acreditar que ditaduras são menos corruptas. Ao contrário, a corrupção floresce à sombra. Em contrapartida, a democracia só sobrevive onde a corrupção é exemplarmente punida.
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