Desradicalização

Sem trabalho psicológico, social e educativo, as autoridades estarão secando gelo

“Ninguém nasce terrorista.” Com esta frase, Zineb Benalla, pesquisadora do terrorismo na região do Sahel, no centro-norte da África, abriu uma discussão sobre prevenção do radicalismo islâmico, durante os Atlantic Dialogues, na quarta-feira em Marrakesh. Presentes, profissionais africanos e europeus, que trabalham com a “desradicalização” de terroristas presos e com campanhas para “deslegitimar” a ideologia de grupos como Al-Qaeda, Estado Islâmico e Boko Haram, em escolas e mesquitas.

El Mostafa Rezrazi, que em 2014 concluiu um doutorado na Universidade Mohammed V sobre a dinâmica psicológica dos terroristas suicidas, detalhou o trabalho que vem sendo feito no Marrocos, tradicionalmente um grande exportador de terroristas: dos que realizaram o atentado contra as Torres Gêmeas, em 2001, aos que atacaram nos últimos anos na Europa.

Ele disse que, de 966 recrutados e presos, 196 eram da Al-Qaeda, e o restante do Estado Islâmico. Desse contingente, 11% têm tendência ao suicídio, contou Rezrazi, “mas não a capacidade de passar da palavra ao ato”. Para eles, a ação terrorista é a chance de “matar para morrer”. Entre esses presos, 90% concluíram ensino médio, 70% têm curso universitário, e apenas 7% não têm nenhuma educação. “A pouca educação não leva necessariamente à radicalização”, constatou o estudioso.

Ao mesmo tempo, Abdelhak Bassou, que teve cargos de chefia na Direção-Geral da Segurança Nacional Marroquina e dirigiu o Instituto Real de Polícia, descreveu os resultados da Iniciativa Nacional de Desenvolvimento Humano, lançada pelo país em 2005. Um dos resultados mais visíveis, segundo ele e outros profissionais marroquinos presentes na conversa, foi a transformação ocorrida no bairro de Sidi Moumen, em Casablanca. De lá saíram os autores dos maiores atentados da história do Marrocos, em 16 de maio de 2003, que deixaram 45 mortos. Era um bairro pobre, cheio de jovens desempregados, “vulneráveis à radicalização”, disse Bassou. Graças a programas de qualificação profissional, assistência social e urbanização, o bairro deixou de ser reduto de radicalização.

Segundo Rezrazi, o trabalho nas prisões inclui assistência social e capacitação profissional, com o objetivo de encaminhar os presos para o mercado de trabalho e evitar que voltem para organizações terroristas, depois de soltos; atendimento psicológico; e assistência jurídica, na qual se explicam seus direitos, e também por que lhes foram aplicadas as penas. “Ao final de dois meses, eles entendem que são vítimas não dos juízes, mas dos recrutadores (dos grupos terroristas).”

O governo marroquino afastou pregadores das mesquitas que levavam mensagens radicais aos fiéis. “Os imãs tiveram de retornar ao culto, não podem mais dizer o que querem”, explicou Bassou.

Joana Ama Osei-Tutu, do Centro Kofi Annan de Treinamento para a Manutenção da Paz, em Gana, trabalha com a prevenção da radicalização na região sob influência do Boko Haram. Ela acredita que o terrorismo está vinculado à falta da sensação de pertencimento a um lugar, à percepção de que ninguém se importa com os jovens e à falta de empregos. Seu grupo tem ido às escolas islâmicas discutir interpretações do Alcorão que não condizem com o que está realmente no texto sagrado.

Nesse trabalho, eles procuram expor as contradições do discurso do Boko Haram, cujo nome significa “educação ocidental é pecado”. No entanto, o grupo utiliza as redes sociais. “Mostramos que o grupo se tornou uma indústria para ganhar dinheiro, é crime organizado”, diz Osei-Tutu. O investimento em inteligência e na repressão ao terrorismo é importante. Mas, sem esse trabalho educativo, as autoridades estarão enxugando gelo.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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