Eleições aumentam abismo entre americanos urbanos e rurais

Nestas eleições estavam em jogo 435 assentos da Câmara dos Deputados, 35 cadeiras do Senado, 36 governos de Estados americanos, além de vários cargos locais, como prefeitos, juízes e xerifes
Foto: Kevin Hagen / AP

A vitória democrata na Câmara dos Deputados resultou do deslocamento, da direita para o centro, de eleitores das áreas residenciais de classes média e alta na periferia das cidades. Pesou também a mobilização de mulheres, negros e latinos, que saíram da apatia e contribuíram para o comparecimento de 114 milhões, muito acima da média em eleições de meio de mandato.

Essa apatia explicou, em grande medida, a eleição de Trump em 2016. Igualmente, a adesão dos chamados “subúrbios” às promessas de Trump, como a redução de impostos e dos preços dos convênios de saúde, também ajudou a eleger o presidente.

A reforma tributária deu continuidade ao ciclo de crescimento e queda do desemprego (ambos na casa dos 4%), que já vinha ocorrendo no governo de Barack Obama. Por outro lado, a política de Trump de enfraquecer o sistema de saúde criado por Obama, por meio de cortes orçamentários e eliminação de incentivos tributários, encareceu os convênios.

Portanto, há uma racionalidade clara nesse movimento do eleitorado de classe média: os democratas não reverterão os cortes nos impostos, mas trabalharão para reforçar o Obamacare. As bolsas de valores reagiram positivamente, porque os democratas apoiam a proposta de Trump de investir em infra-estrutura, não ameaçam a reforma tributária nem a desregulação e podem pôr um freio nas guerras comerciais desencadeadas pelo presidente.

As mulheres acordaram um pouco tarde para o significado da eleição de Trump para questões que as afetam diretamente, como o direito ao aborto, no caso das liberais; ou, inversamente, da preservação da família, no caso de conservadoras, que ficaram chocadas com a separação dos filhos de imigrantes ilegais dos seus pais presos. 

Eu acompanhei a marcha das mulheres em Washington, Filadélfia e Nova York, em 21 de janeiro do ano passado, um dia depois da posse de Trump. Como escrevi em reportagem para o caderno Aliás, senti um clima de contracultura, de resposta liberal à onda conservadora. Ali começou a mobilização das mulheres para se lançar ou apoiar candidatas, que resultou na eleição de 100 deputadas, 12 senadoras e 9 governadoras. Desse total, 103 são democratas e 18, republicanas.

Cobri as eleições de 2016, e percebi o desalento dos eleitores negros frente a Hillary Clinton. A euforia causada pela eleição de Obama refluiu, com algumas expectativas não materializadas e com a candidatura de uma branca identificada com o establishment. Muitos não saíram para votar. 

O chamado “voto latino” sempre foi tão diverso a ponto de esvaziar o significado prático da expressão. Há os cubanos republicanos, que odeiam os democratas por identificá-los com o “socialismo” do qual fugiram; há os latinos democratas, que rejeitam a hostilidade republicana com imigrantes e até contra Cuba; e há, sobretudo, os indiferentes.

Nas coberturas das três últimas eleições presidenciais americanas, sempre identifiquei a figura do imigrante “arrivista”, que, no anseio de se tornar um americano, e depois de ter passado muitos sacrifícios para alcançar a cidadania, defendem linha dura contra os indocumentados. Eles identificam nos republicanos a realização do sonho americano de prosperidade fincada no individualismo. Aparentemente Trump foi longe demais em sua hostilidade, levando muitos latinos a votar pela primeira vez — contra ele.

Tiveram melhor desempenho os democratas mais moderados e os republicanos mais radicais. Os democratas mais à esquerda e os republicanos mais ao centro, críticos de Trump, tiveram menos votos. Isso aponta para os democratas reocupando o centro e os republicanos continuando a caminhar para a direita. E o aprofundamento do abismo entre americanos urbanos e liberais, de um lado, e rurais e conservadores, de outro.

Publicado no Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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