Diante da diversidade e dinamismo do mundo, é sempre um desafio encontrar uma tendência que dê sentido a um ano. Mas se existe algo de comum aos principais fatos de 2018, é a nostalgia, a resistência a mudanças. Um sentimento difuso de que a vida foi melhor.
Os resultados das eleições nos dois principais países da América Latina, Brasil e México, parecem ir em direções opostas apenas para os que se contentam com rótulos e análises superficiais. Embora um seja tachado de “direita” e o outro de “esquerda”, Jair Bolsonaro e Andrés Manuel López Obrador se beneficiaram da nostalgia dos “anos dourados” da ditadura militar no Brasil e do populismo autoritário do Partido Revolucionário Institucional (PRI) no México.
Assim como Paulo Guedes, o novo ministro da Economia mexicano, Carlos Urzúa, também segue uma linha liberal e ortodoxa, já testada quando ele foi o secretário de Finanças da Cidade do México entre 2000 e 2003, sob o governo de López Obrador. Na época, ele reduziu o déficit do Distrito Federal de 19% para 3%. Da mesma maneira que o grande desafio de Guedes são as crenças nacional-desenvolvimentistas e militaristas de Bolsonaro, os mercados no México também esperam para ver quem prevalecerá: o presidente populista ou o sóbrio chefe da equipe econômica.
O ano começou com as eleições italianas, marcadas pela rejeição às reformas liberais adotadas pelo Partido Democrático. As vitórias da Liga de Matteo Salvini e do Movimento 5 Estrelas de Luigi Di Maio foram a expressão da saudade dos eleitores de uma Itália sem os rigores econômicos do euro, antes da perda de direitos previdenciários, dos impostos altos (que substituíram a inflação como remendo para o déficit), do livre comércio e da imigração maciça.
A eleição de Iván Duque também está associada ao desejo de uma volta atrás, ao período em que a guerrilha colombiana era tratada como inimiga, e não brindada com dez cadeiras no Congresso e anistia por seus crimes.
A Rússia sempre foi um país atípico. Mas a reeleição de Vladimir Putin, no poder desde 2000, foi a confirmação do desejo dos russos de ver o seu país recuperar a glória dos passados tsarista e soviético. O experimento russo com o liberalismo, nos anos 90, ficou associado ao caos. A plutocracia de Putin é criticada por muitos, mas a maioria não quer saber de mudanças.
Xi Jinping consolidou seu poder na China igualmente com o impulso da aspiração chinesa de voltar a ocupar a sua posição imperial, cuja perda veio acompanhada de seguidas humilhações, algumas impostas de fora, como a Guerra do Ópio, outras auto-infligidas, como a Revolução Cultural.
A nostalgia, ou a resistência às mudanças, certamente não surgiu em 2018. Ela já esteve presente em 2016 nas vitórias, por ínfima margem, do “não” no plebiscito da Colômbia sobre o processo de paz, do Brexit e de Donald Trump. Mas sofreu um refluxo importante na eleição de Emmanuel Macron e derrota de Marine Le Pen, em 2017.
Este ano, porém, a rejeição dos franceses às reformas reemergiu com toda a força, nas manifestações dos “coletes amarelos”. A História não se move de forma linear, mas em fluxos e contra-fluxos. Essa dinâmica explica a vitória democrata nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mês passado, já em meio à ressaca do eleitorado americano com o aumento dos preços dos planos de saúde e dos remédios, ao contrário do que Trump prometera.
Mas a nostalgia e a sua face ativa, a resistência às mudanças, são sentimentos que chegaram para ficar. Eles estão na essência da cultura dos millennials (faixa de 20 a 35 anos), o contingente de eleitores e consumidores mais coeso. É a saudade de algo não vivido. Ou idealizado por aqueles que o viveram, e têm mais medo do novo e do incerto.
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