O Exército cibernético russo

Conspiração a favor de Donald Trump envolveu a contratação de 80 pessoas e teve orçamento mensal de US$ 1,2 milhão

O Departamento de Justiça dos Estados Unidos apresentou na sexta-feira o indiciamento de 13 cidadãos e 3 empresas russas, acusados de conspirar para favorecer Donald Trump e prejudicar Hillary Clinton na campanha presidencial de 2016.

O documento de 37 páginas, com base nas investigações da força-tarefa comandada pelo procurador especial Robert Mueller, ex-diretor do FBI, oferece um retrato fiel do estado da arte da manipulação da opinião pública por meio das redes sociais.

Grupo ‘Being Patriotic’, no Facebook, organizou dois atos políticos em NY contra Hillary em 2016 | AP Photo/ Jon Elswick

A conspiração envolveu a contratação de 80 pessoas e teve orçamento mensal de US$ 1,2 milhão, de acordo com as investigações. No centro da operação esteve a Agência de Pesquisa da Internet, empresa de São Petersburgo especializada em “trolls”, como são chamados os boatos espalhados na rede.

Mueller acusa o empresário russo Yevgeniy Prigozhin, considerado próximo do presidente russo, Vladimir Putin, de encomendar e financiar as operações, por meio de sua empresa, Concord Management and Consulting.

Os operadores russos montaram um esquema para parecer que eram cidadãos e sites americanos. Compraram identidades roubadas, cartões de crédito e contas bancárias nos Estados Unidos.

A operação incluiu manifestações contra e a favor de Trump, na sequência da distribuição de boatos na internet. Aí também os russos se fizeram passar por ativistas americanos. Portanto, trata-se de um plano de articulação entre as redes sociais e o mundo físico.

Baixo custo

Em setembro, depoimentos de executivos perante o Comitê de Inteligência do Senado revelaram que a operação envolveu 3 mil anúncios no Facebook, no valor total de US$ 100 mil, e 1.800 tuítes, ao preço de US$ 274 mil.

As publicações no Twitter partiram de 22 contas abertas pelo Russia Today (RT), órgão de comunicação ligado ao governo russo. Essas contas estavam vinculadas a 179 perfis no Twitter e 450 no Facebook.

Os custos parecem ínfimos, considerando os interesses em jogo. Mas especialistas em marketing digital atestam que, com US$ 100 mil, é possível publicar anúncios vistos centenas de milhões de vezes, desde que seu conteúdo tenha o apelo desejado.

Países como Rússia, China e Coreia do Norte têm avançado no uso de ferramentas que incluem, além da propaganda, ataques para derrubar sites, redes e sistemas de comunicação, comando e controle, inocular vírus, roubar informações, praticar extorsão contra empresas e usuários.

São parte da doutrina das guerras psicológica e cibernética, no contexto dos conflitos assimétricos. Esses países reconhecem que não têm chances de enfrentar os Estados Unidos com armas e regras de engajamento convencionais.

Estados Unidos e Europa têm se municiado para essa guerra, investindo em contraespionagem eletrônica e em barreiras sofisticadas de proteção, que equivalem às trincheiras da 1.ª Guerra.

O nível de detalhamento da investigação sugere que Robert Mueller teve acesso a interceptações realizadas pelo serviço secreto americano: só assim ele poderia chegar a informações internas sobre a Agência de Pesquisa da Internet e a e-mails trocados pelos agentes russos.

Entretanto, países menos preparados, como o Brasil, também estão expostos a esses ataques, que podem vir não só de fora, mas de dentro. Quando a ex-presidente Dilma Rousseff sofreu o impeachment, e o Ministério do Planejamento trocou de mãos, foram encontradas planilhas de pagamento de sites e blogs com a aparência de jornalísticos.

Algumas dessas fábricas de notícias ostentam o nome de ex-jornalistas prestigiados, convertidos em penas de aluguel, pagos para espalhar mentiras nas redes sociais. Na campanha eleitoral deste ano, muito dinheiro será investido nessa guerra.

O que fazer para se defender dessa manipulação? O cidadão comum tem dois aliados: o jornalismo profissional, que vive apenas de sua credibilidade, e as próprias redes sociais. Isso mesmo: se as pessoas destinarem parte de seu tempo dedicado à internet para denunciar as mentiras e suas fontes, quando flagradas, estarão ajudando umas às outras a escapar dessa armadilha.

Publicado em O Estadão. Copyright: Grupo Estado. Todos os direitos reservados.

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