Maduro realizou o sonho de todo líder populista de esquerda: obter dos Estados Unidos o reconhecimento de sua existência como inimigo
Os chavistas receberam na sexta-feira uma ajuda inesperada do presidente Donald Trump. Entregue a um transe belicista, que já o havia levado a ameaçar a Coreia do Norte com a aniquilação nuclear, Trump declarou que estuda uma operação militar na Venezuela.
O presidente Nicolás Maduro realizou com isso o sonho de todo líder populista de esquerda: obter dos Estados Unidos o reconhecimento de sua existência como inimigo. Seu mentor, Hugo Chávez, tentou isso a todo custo, sem sucesso.
Assim como os irmãos Castro em Cuba, ao longo de quase seis décadas, Maduro tem tentado justificar a penúria material e o endurecimento do regime com uma suposta “guerra econômica” e ameaças intervencionistas do “império”. Até sexta-feira, não havia evidências disso no mundo real. Foi esse o presente que Trump deu aos chavistas.
O reforço coincide com um crescente isolamento internacional do regime, mas de consolidação interna de seu projeto de poder. Desde que se instalou, no dia 4, a Assembleia Nacional Constituinte (ANC) tem seguido com fidelidade o roteiro que havia sido traçado para ela, com base nas declarações e atos dos chavistas antes e depois de sua eleição, dia 30.
Em seguida à eleição, boicotada pela oposição e pela imensa maioria dos venezuelanos, e rejeitada pela comunidade internacional (com exceção de governos de esquerda da região, da Rússia e da China), tornou-se ainda mais palpável o atropelo das liberdades individuais.
Agentes do Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional (Sebin) passaram a abordar os transeuntes nas ruas, examinando seus celulares em busca de imagens e mensagens consideradas hostis ao regime. Como os grandes meios de comunicação foram cooptados, comprados ou fechados, as informações sobre as arbitrariedades circulam em grupos de WhatsApp e outras plataformas digitais.
Mandados de destituição e de prisão de prefeitos de oposição, emitidos pelo Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), controlado pelos chavistas, multiplicaram-se. Até sexta-feira, 13 haviam sido atingidos, só depois da eleição da ANC. Assim como na Rússia e na Turquia, ser de oposição gradualmente se converte em crime na Venezuela.
Mas já ficou claro para o regime que apenas prender não é suficiente: os presos continuam denunciando o autoritarismo e convocando a população a protestar, e o exemplo de sua prisão não tem intimidado outros manifestantes. Diante disso, são cada vez mais frequentes as denúncias de tortura.
A mãe do jornalista Carlos Rojas afirmou que seu filho foi torturado durante 15 dias no presídio militar de Ramo Verde, onde se concentram os presos políticos. Rojas foi mantido amarrado em uma cela solitária, sem poder ir ao banheiro e privado de água e comida.
A procuradora-geral, Luisa Ortega, que considerou a convocação da Constituinte inconstitucional, foi destituída, e o Ministério Público tem sido alvo de mandados de busca e apreensão, executados pela Controladoria-Geral.
Ortega afirma que está sofrendo ameaças de morte. Ela foi impedida de deixar a Venezuela e sofre um processo por “desvio de funções” no TSJ, cujo desfecho é previsível: a procuradora liderou a resistência contra a usurpação dos poderes da Assembleia Nacional, de maioria oposicionista, pelo tribunal, em março. O TSJ acabou recuando. Foi depois do episódio que Maduro lançou a ideia da Constituinte.
A presidente da ANC, Delcy Rodríguez, chamada por Maduro de “tigre em defesa do socialismo”, anunciou na quinta-feira que todos os poderes – Executivo, Legislativo, Judiciário e Ministério Público – estão agora subordinados à Constituinte. Para completar, o regime conseguiu dividir e desmoralizar a oposição, ao convocar eleições estaduais para dezembro, com um ano de atraso.
Parte da oposição decidiu entrar na disputa, e outra parte, boicotá-la. Nas ruas de Caracas, ouve-se que os líderes que aceitaram disputar essas eleições foram comprados pelo regime. Os chavistas podem ter muitos defeitos, mas eles entendem a Venezuela. Ao contrário de Trump.
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