Pode parecer desconectado da realidade falar de oportunidades para o Brasil no comércio internacional, no momento em que o País se sente moralmente diminuído. Mas há uma correlação entre a cultura de corrupção e o sistema protecionista e intervencionista vigente no Brasil. O ambiente promíscuo criado para os “campeões nacionais”, que embarcaram em parceria com o governo num capitalismo sem riscos, tem como condição a eliminação da concorrência.
Desde sua criação, em 1995, a Organização Mundial de Comércio (OMC) foi notificada de 400 acordos, enquanto muitos países do mundo se davam conta dos benefícios mútuos de se especializar no que se é capaz de produzir melhor e mais barato, deixar que outros também o façam, e integrar-se a cadeias de valor. Essa dissolução de barreiras se estendeu aos serviços e contratos governamentais, reduzindo preços, aumentando a eficiência e a transparência nos negócios, tanto privados quanto públicos.
Com exceção do setor agrícola, o Brasil ficou à margem desse processo. E não é casual que o agronegócio seja o centro dinâmico da economia brasileira. Sua brusca e dolorosa exposição à concorrência internacional, promovida pelo governo de Fernando Collor, obrigou-o a se tornar competitivo. Em contrapartida, a indústria e os serviços continuaram protegidos e, salvo exceções, ineficientes, dependentes dos favores do Estado, produzindo a preços altos e com qualidade baixa.
Tudo isso foi mantido sem grande contestação da imensa massa de consumidores e contribuintes que paga o preço da corrupção, da cartelização e das enormes margens de lucros, graças a uma poderosa ideologia pseudo-nacionalista, segundo a qual importar é uma desonra e empresas nacionais florescem quando são protegidas. Fazer compras se tornou o principal motivo do brasileiro para viajar. Essa visão de capitalismo de Estado está expressa no diálogo do presidente Michel Temer com o empresário Joesley Batista, entre tantos outros episódios chocantes.
A ascensão, nos Estados Unidos, de um presidente que comunga essas crenças num Estado intervencionista e que encara o livre comércio como perdição, paradoxalmente, cria uma janela de oportunidade para uma inserção tardia do Brasil no mundo.
Depois de 23 anos de Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), que lhe trouxe industrialização e prosperidade, o México se vê obrigado a encontrar novos parceiros, e tem olhado para o Brasil, único parque agrícola que rivaliza com o americano.
Com a saída dos EUA, os 11 países restantes da Parceria Transpacífico (TPP) revêem suas regras e estratégias e abrem as portas para novos acordos, por exemplo com a Aliança do Pacífico, composta por México, Chile, Peru e Colômbia. O Mercosul tem discutido com esse bloco a possibilidade de se integrar a suas cadeias de produção, permitindo ao Brasil, um país atlântico, colocar um pé no imenso e promissor mercado do Pacífico.
“Para o Brasil, que não se focou muito em competitividade nos últimos anos, o vácuo de liderança deixado pelos EUA dá a oportunidade de tornar sua indústria mais competitiva, de alcançar os outros”, disse a americana Kellie Meiman Hock, da consultoria de comércio exterior McLarty Associates, em um seminário na sexta-feira na Amcham em São Paulo.
Sempre se disse que ao Brasil faltava uma guerra para se tornar um país sério. Não haverá guerra, felizmente. Mas a terra arrasada deixada pela corrupção pode ter alguma utilidade, se os brasileiros mudarem sua percepção do papel do Estado e das empresas no sistema capitalista.
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