O candidato de esquerda López Obrador é um Trump com sinal trocado
Escrevo do México, onde a campanha para as eleições de 1.º de julho está começando oficialmente. O candidato da esquerda, Andrés Manuel López Obrador, figura nas pesquisas como franco vencedor. Conhecido como AMLO, ele promete reverter as reformas liberais e, assim como Donald Trump, também acha que é preciso renegociar o Acordo de Livre-Comércio da América do Norte (Nafta).
Candidato nas duas eleições anteriores, em 2006 e 2012, AMLO nas outras vezes também liderou as pesquisas, mas acabou derrotado. Desta vez, pode ser diferente. Ele tem um cabo eleitoral de peso: o presidente americano. Trump elegeu o México seu principal alvo na campanha de 2016. Prometeu impor tarifas alfandegárias de 30% sobre os produtos mexicanos, ameaçou empresas americanas que investem no México, associou os imigrantes do país vizinho a roubos e estupros e prometeu construir um muro na fronteira.
O fato de um presidente americano ser eleito tendo a hostilidade ao México como uma de suas principais armas de campanha foi sentido pelos mexicanos como uma punhalada nas costas. Eles tiveram de superar uma dolorosa história de derrotas militares para os EUA que lhes custaram metade de seu território no século 19 e, mais tarde, o medo de competir com a nação mais avançada do planeta, para assinar o Nafta.
Feridos em seu orgulho e dominados pelo medo, muitos mexicanos agora se voltam para López Obrador, como o único líder nacional-desenvolvimentista capaz de fazer frente às ameaças do norte. Sua eleição, no entanto, poderá representar uma perda muito maior e mais concreta do que as ameaças até agora não cumpridas do presidente americano.
López Obrador fala em reinstituir o monopólio sobre a produção de petróleo, quebrado em dezembro de 2013. O Brasil conhece os resultados desse tipo de experimento. Só que o petróleo é ainda mais importante para o México.
O governo calcula que a reversão da chamada “reforma energética” resultaria na perda de 800 mil empregos, de US$ 200 bilhões em investimentos já comprometidos de empresas estrangeiras, e na injeção de US$ 600 bilhões na Pemex, a estatal do petróleo, para que ela possa assumir toda a produção do país.
Desde meados dos anos 90, quando ingressou no Nafta e adotou medidas de austeridade fiscal para enfrentar a crise especulativa apelidada de Efeito Tequila, o México tem gerido sua economia de forma responsável.
Depois do Nafta, o país firmou acordo de livre-comércio com a União Europeia e ingressou na Parceria Transpacífico. No total, são 10 tratados, que englobam 45 países. É membro da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o que significa seguir uma série de parâmetros de governança. De seus 34 membros, apenas 2 são latino-americanos: México e Chile. O Brasil postula uma vaga, mas ainda não preenche os requisitos.
Ao assumir, em 2012, o presidente Enrique Peña Nieto costurou um acordo com os três principais partidos, em torno de uma agenda de reformas com 95 itens, incluindo educação, política fiscal, telecomunicações e energia. Todo esse alicerce ajudou o país a enfrentar a crise financeira internacional, a gripe suína, a queda do preço de petróleo e até mesmo a turbulência causada por Trump, embora os EUA sejam a origem de 46% dos produtos importados e o destino de 80% dos exportados pelo México.
De 2008 para cá, o único ano em que a economia mexicana não cresceu foi 2009, quando o país foi o epicentro da gripe suína, combinada com a crise financeira global. Tudo isso está ameaçado agora, com a provável eleição de AMLO, que saiu de seu antigo Partido da Revolução Democrática, de esquerda, e fundou o Movimento de Regeneração Nacional exatamente por rejeitar as reformas e o livre-comércio. López Obrador, um populista de esquerda, é um Trump com o sinal trocado.
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